Título: Entrevista: Willy Rozenbaum
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 31/05/2011, Saúde, p. 19

Integrante da equipe que descobriu a Aids ataca campanhas centradas apenas no uso de preservativos e pede inclusão de ações de controle da transmissão não sexual, como a sanguínea. Para ele, tanto uma vacina quanto uma cura são sonhos ainda distantes

Aquele 5 de junho de 1981 era uma sexta-feira comum no consultório do médico Willy Rosenbaum, em Paris (França). No mesmo dia em que leu um artigo publicado por cientistas americanos descrevendo uma nova doença que se alastrava rapidamente na Califórnia, nos Estados Unidos, o francês atendeu um casal de homossexuais que apresentavam sintomas incomuns, não assoados a qualquer agente infeccioso que ele já tivesse visto até então. Nem o artigo norte-americano nem os pacientes franceses, atendidos pelo médico, sabiam que eram alicerces daquela que se tornaria uma das doenças mais avasaladoras da segunda metade do século 20: a síndrome da imunideficiência adquirida, a Aids.

Naquele ano, Rosenbaum recebeu em seu consultório outra dezena de casos semelhantes. Como integrante da equipe de Luc Montagnier ¿ que, com a também francesa Françoise Barre-Sinoussi, venceu o prêmio Nobel de Medicina pela descoberta da doença -, foi um dos pioneiros no estudo do mal, sendo um dos primeiros a constatar que a Aids é transmissível também por vias não sexuais, depois de receber casos da doença entre mulheres e heterossexuais, numa época em que o problema era fortemente visto como exclusivo da comunidade gay.

Três décadas depois de se tornar um dos codescobridores do vírus da imunodeficiência humana, o HIV Willy Rosenbaum ¿ que, desde 2003, preside o Conselho Nacional de Aids da França ¿ conversou com o Correio sobre os 30 anos da descoberta da Aids. O francês criticou as campanhas governamentais de prevenção focadas exclusivamente na promoção do uso da camisinha, defendeu a polêmica distribuição de seringas descartáveis entre os usuários de drogas injetáveis (a conhecida política de redução de danos) e sustentou que, infelizmente, uma vacina está longe de ser realidade. Para ele, o controle do vírus só será possível quando houver uma mudança no comportamento sexual de toda a população mundial.

Epidemia longe do fim

Em sua concepção, a Aids é hoje uma epidemia controlada?

Absolutamente não. Não entendo como as pessoas podem pensar isso. Em nenhum país do mundo pode-se considerar que a epidemia esteja controlada. Em algumas regiões, há, inclusive, uma progressão da doença de forma assustadora. Nas melhores situações, o número de novos casos foi estabilizado. Mesmo nessas situações, contudo, os novos infectados vêm se somar aos os que já existiam, aumentando o número de doentes. Os dados são bastante claros: consideramos que, desde o início da epidemia, já foram contaminadas 60 milhões de pessoas em todo o mundo e que 25 milhões já morreram em decorrência da doença, ou seja, existem hoje pelo menos 35 milhões de pessoas contaminadas. A maioria das estimativas diz que, em 2030, teremos 60 milhões de casos, quase o dobro do número de pessoas infectadas que existe hoje. Para cada duas pessoas contaminadas que seguem um tratamento atualmente no mundo, existem 3 casos de novas contaminações. Assim, se não houver mais investimento na luta de combate contra a Aids, a epidemia vai ficar totalmente fora de controle.

Por que a sociedade falhou nesses 30 anos de combate à doença?

Acho que o principal problema é que as pessoas efetivamente não conhecem todas as formas de prevenção. Hoje, a maioria dos países foca em uma única forma de se evitar a Aids: o preservativo masculino, popular camisinha. Se essa única forma fosse eficiente, já teríamos controlado a epidemia há muito tempo. O problema não é que a camisinha não seja eficiente por si, o problema é que, por mais que haja campanhas, ela (a camisinha) não é suficientemente utilizada, a ponto de barrar o avanço do vírus.

O que seria necessário, então, para parar o crescimento do HIV?

Primeiramente, é preciso lembrar que também há a transmissão via sanguínea ¿ muitas vezes, posta em segundo plano. Temos ferramentas extremamente eficientes para evitar esse tipo de contaminação, instrumentos que tiveram a eficácia comprovada em todos os contextos em que foram utilizados. Para evitar a transmissão via sanguínea, é preciso fazer testes no sangue coletado para transfusões, que hoje não são feitos sistematicamente em todos os países do mundo. Outra forma de transmissão por via sanguínea é por seringa, seja no contexto médico, onde nem todos os países têm material esterilizado ou descartável disponível, ou por meio do material usado por usuários de drogas de injetáveis. Temos hoje, no leste europeu e na Ásia, um numero enorme de novos casos da doença devido a essa forma de transmissão.