Título: Disputa até o último voto
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 29/05/2011, Mundo, p. 20

De um lado, a filha de um ex-presidente preso por violação de direitos humanos e corrupção aposta em uma política tradicional e ortodoxa. Do outro, um candidato de esquerda, militar reformado, veterano de campanhas malsucedidas, clama por mudança. Keiko Fujimori e Ollanta Humala disputam uma das eleições mais acirradas do últimos tempos na América Latina. O empate técnico nas pesquisas presidenciais do segundo turno transformou a reta final da campanha no Peru em campo de batalha. A troca de acusações e as demonstrações de apoio deixaram os programas de governo em segundo plano. Agora, os dois têm até o próximo domingo para conquistar uma população divida. A vitória deve ser definida por poucos votos.

O resultado do primeiro turno mostrou o quanto os peruanos se dividiram. Humala venceu com 31,7% dos votos, enquanto a filha de Alberto Fujimori conquistou 23,5%. Agora, os dois apresentam empate técnico, com vantagem de três a sete pontos para a senadora, e com 15% dos eleitores ainda indecisos. ¿Estamos a poucos dias da votação e os números estão muito paralelos. Um dos grandes problemas é que existem muito mais votos contra do que a favor dos candidatos. A campanha tem sido muito intensa e cheia de críticas de ambos lados¿, disse ao Correio Fernando Tuesta, diretor do Instituto de Opinião Pública da Pontifícia Universidade Católica do Peru.

Nas últimas semanas, os candidatos disputaram os voto no corpo a corpo. Keiko respondeu às manifestações contra o fujimorismo apontando o adversário como um radical de esquerda e aliado do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Humala também lançou suspeitas de fraude, vagamente baseadas no apoio não declarado do atual presidente, Alan García, à candidata da direita. Para completar, milhares de camponeses da cidade de Puno ameaçam impedir a eleição se o Estado não criar regras para a mineração na região.

Alan García não se pronunciou sobre a eleição, mas demonstra indiretamente seu apoio à filha de Fujimori e ataca o candidato da esquerda, a quem derrotou em 2006. ¿Os ataques entre os dois, sobretudo contra Humala, empobreceram as discussões mais importantes. Existe uma confusão total da população, e por isso os meios de comunicação deixaram de lado a linha informativa. Os principais jornais e canais de tevê estão a favor de Keiko¿, comenta Tuesta.

Desigualdade O Peru teve um crescimento anual médio de 9% no mandato de García, mas continua exibindo forte desigualdade social. Um terço dos cidadãos vive na pobreza e cerca de 53% não têm saneamento básico. O programa de governo de Keiko está centrado na erradicação da pobreza e na geração de empregos, com base na continuidade das políticas do atual governo. ¿Ela faz questão de mostrar que tem o apoio do establishment, dos empresários e dos meios de comunicação. E seu pai continua a exercer muita influência¿, afirmou Tuesta.

Na contramão, Humala defende a mudança do modelo econômico e quer promover uma reforma na Constituição legada por Alberto Fujimori. Ele também conta com apoios importantes, como o do escritor e prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa e o do ex-presidente Alejandro Toledo, que recebeu 15% dos votos no primeiro turno. ¿É um respaldo importante para ele, ainda que tardio, porque os outros candidatos parecem estar todos com Keiko. Com todas as suas deficiências, Toledo é um líder comprometido com a democracia como poucos no Peru, e além disso foi o primeiro chefe de Estado de origem indígena¿, comentou Cynthia Sanborn, professora de Ciência Política e diretora do Centro de Investigação da Universidade Pacífica do Peru.

Humala tentou se afastar do apoio declarado de Chávez e demonstrar uma relação mais direta com o Brasil, especialmente com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores (PT). O candidato esquerdista conta com dois assessores brasileiros: Luís Favre, ex-marido da senadora Marta Suplicy (PT-SP), e Valdemir Garreta, dirigente petista. ¿O Brasil é um país com importantes relações com o Peru. À medida que Humala ressalta sua maior afinidade com Lula, isso pode ajudá-lo. A questão é se as pessoas acreditam ou não que ele já não é mais parceiro de Chávez¿, completou Sanborn.

Debate final Para a especialista peruana, a contagem das urnas será como o fim de um filme, cheio de antecipação e, quem sabe, uma surpresa. ¿Qualquer um dos dois pode ganhar. Como as pesquisas mostram empate técnico, provavelmente será um resultado muito apertado e lutado, voto por voto.¿ Na última batalha frontal, Keiko e Humala se enfentarão hoje em um debate pela televisão ¿ e devem usar todas as armas para vencer a guerra.