Título: Em defesa do consumo regulamentado de drogas
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 01/06/2011, Brasil, p. 8

Uma ofensiva em favor da mudança de estratégias no combate ao entorpecentes no mundo será lançada amanhã, em Nova York, por personalidades de peso que integram a Comissão Global de Políticas sobre Drogas. A entidade internacional, que reúne representantes de 15 países, entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, divulgará um relatório defendendo a descriminalização do consumo de drogas e a regulamentação do uso da maconha. Na cerimônia, os integrantes da organização entregarão o documento a representantes das Nações Unidas (ONU), que hoje, até por força de suas convenções, têm posição mais conservadora no que diz respeito à flexibilização das legislações relacionadas ao tema.

¿Como a ONU lista em documentos assinados pela maioria dos países no mundo quais são as drogas ilegais, é difícil pensar em legalização. Então, o caminho proposto é o da descriminalização, acompanhada de uma regulamentação. Teremos que debater muito para falar em legalização¿, explica Rubem César Fernandes, secretário-executivo da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), entidade que difunde no país as ideias da Comissão Global de Políticas sobre Drogas. Ele ressalta que o principal objetivo da divulgação do relatório em Nova York será provocar a discussão. ¿Acreditamos no impacto na opinião pública, em dar mais força a essa discussão, que, em algum momento, terá de ser encarada¿, diz.

Intelectual e fundador da ONG Viva Rio, que trabalha o tema da violência, Fernandes destaca que as recomendações feitas no documento internacional estão devidamente alinhadas com as necessidades brasileiras, de acordo com relatório finalizado em abril deste ano pela CBDD. ¿É urgente pensarmos na mudança de paradigma do combate às drogas aqui. Temos experiências internacionais exitosas no sentido da descriminalização e regulamentação. Precisamos estudá-las e pensar em como aproveitá-las¿, explica. Entre os favoráveis a políticas menos repressoras é comum a preocupação com o acesso do dependente a tratamentos de desintoxicação, a crença de redução da violência em virtude do tráfico e até o desestímulo ao consumo, no momento em que ele deixa de ser crime.

Nesse mesmo caminho vai a argumentação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que chegou a Nova York ontem para a divulgação do relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, no documentário Quebrando o Tabu. Marcado para estrear na sexta-feira nas salas de cinema do Brasil, o filme percorre oito países, mostra experiências internacionais de enfrentamento das drogas e ouve ex-chefes de Estado ¿ como Bill Clinton e Jimmy Carter ¿ que mudaram de opinião sobre a melhor forma de combater o problema. Há também entrevistas com Dráuzio Varella, Paulo Coelho e Gael Garcia Bernal.

Em entrevista ao Correio em outubro passado, FHC destacou casos interessantes de política contra drogas ao redor do mundo ao falar da produção do filme. ¿Uma das mais importantes experiências, sem dúvida, é a de Portugal, onde descriminalizaram todas as drogas. Ou seja, não é legalizar e sim não mandar para a cadeia. Além disso, lá eles montaram uma rede de assistência aos dependentes. Creio que o caminho seja por aí, não pela repressão¿, disse.

O ex-presidente também explicou, na ocasião, como mudou de ideia depois que deixou o Planalto, onde conduzia política radical no sentido da repressão. ¿Eu acreditava, quando estava no governo, que o caminho era erradicar. Fizemos, inclusive, erradicação de plantação de maconha em Pernambuco. O que não adiantou nada porque plantavam de novo em outro lugar. Até criamos, mais na linha de prevenção, a Secretaria Nacional Antidrogas. Só depois, no entanto, é que eu percebi que a batalha está perdida se for feita dessa maneira, veja o exemplo da Colômbia, do México¿, disse FHC.

Além do ex-presidente brasileiro, fazem parte da Comissão Global de Políticas sobre Drogas personalidades influentes, como Carlos Fuentes, escritor e intelectual mexicano; Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas; Ruth Dreiffus, ex-presidente da Suíça; Mario Vargas Llosa, escritor peruano. Também compõem o grupo os ex-presidentes Cesar Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México. Os dois, com Fernando Henrique Cardoso, também integram a Comissão Latinoamericana sobre Drogas e Democracia ¿ criticada por muitos como palanque político.