Título: Freio de arrumação no cartão de crédito
Autor: Monteiro, Fábio ; Garcia, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 01/06/2011, Economia, p. 10

Especial para o Correio

Depois de muita relutância do Banco Central, finalmente entram hoje em vigor as novas regras para o mercado de cartão de crédito. As alterações obedecem à Resolução n.º 3.919, baixada pela instituição no ano passado, com o intuito de frear os abusos cometidos por bancos e operadoras e de dar maior transparência ao setor, que faturou R$ 453,5 bilhões (incluindo os cartões de loja) somente nos quatro primeiros meses de 2011. O número de tarifas a serem cobradas da clientela, que chegava a 80, foi limitado a cinco. Além disso, as faturas terão de dar ampla visibilidade aos gastos, foi proibido o envio de cartões sem pedido do consumidor e elevado, de 10% para 15%, o valor mínimo da fatura a ser pago mensalmente ¿ limite que aumentará para 20% a partir de dezembro. Mas que fique claro: alvos de constantes reclamações, as taxas de juros, que chegam a 600% ao ano, continuam liberadas.

Segundo o BC, as cinco tarifas autorizadas para cobrança no cartão são: anuidade, emissão de 2ª via, saques de recursos, pagamento de contas e pedido emergencial de aumento no limite de crédito. Com exceção da anuidade, todas as tarifas serão descontadas do cliente a cada operação. Assim, a anuidade, antes vista como vilã, poderá se tornar um elemento de negociação entre bancos e clientes, podendo até ser zerada. No caso dos cartões já emitidos, a limitação das tarifas só valerá a partir de 1º de junho de 2012. É possível cancelar os cartões atuais e requerer outros. Mas, antes de encerrar os contratos, é recomendável procurar os bancos e checar se é vantajoso aderir às novas regras.

O consumidor que requisitar um novo cartão terá a sua disposição duas opções: o básico e o diferenciado. Na modalidade mais econômica, o consumidor poderá usar as funções mais simples ¿ o consumo do dia a dia e o pagamento contas. Já o modelo diferenciado permite que o cliente se beneficie de programas de relacionamento, como a troca de pontos por milhagens aéreas. Porém, o valor da anuidade será bem mais caro.

Parceiro ou vilão Na avaliação do economista e educador financeiro Rogério Nakata, a redução do número de tarifas não quer dizer, necessariamente, que as taxas pagas pelos clientes serão mais vantajosas. ¿Vale a pena que o consumidor consulte o banco ou a administradora do cartão para saber se haverá algum tipo de economia com as regras baixadas pelo BC. Com um número mais restrito de tarifas, a possibilidade de comparação fica mais fácil¿, disse. Para Nakata, o consumidor está, agora, com maior poder de barganha. O cartão que não lhe der benefícios poderá ser cancelado e um outro, requisitado com a concorrência. ¿Nenhuma empresa vai querer perder um cliente que é bom pagador e tem um bom limite de crédito disponível. Por isso, boas negociações podem surgir e favorecer os clientes¿, afirmou.

Segundo a gerente jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Maria Elisa Novais, é importante que cada consumidor avalie seu histórico nas instituições financeiras. ¿Os clientes devem considerar os novos valores de tarifas, os limite de crédito e até o tempo de relacionamento, para saber se tais elementos podem gerar alguma vantagem¿, ressaltou. Mas não é só. Para Rogério Nakata, ¿os consumidores precisam estar conscientes de que o cartão de crédito pode ser um ótimo instrumento ou um vilão das finanças¿.

A orientadora educacional Sandra Carvalho, 47 anos, contou que tem quatro cartões de crédito, somando os que divide com o marido, o empresário Carlos Alves, 50. Como parte interessada nas mudanças impostas pelo BC, o casal acredita que elas devem ser avaliadas com cautela. ¿Como a redução das tarifas só vale para quem contratar o serviço a partir de agora, não penso em trocar os meus cartões. Tenho algumas vantagens por tempo de contrato, dos quais não pretendo abrir mão¿, disse Sandra. Para Carlos, o menor número de tarifas e um limite maior para pagamento das faturas ¿ de 10% para 15% ¿ podem evitar o superendividamento das pessoas.

Desabafo Essa também é a avaliação do economista Emerson Castello Branco, da CBS Consultoria. ¿Ao pagarem apenas 10% das dívidas todos os meses, os consumidores acabam caindo na inadimplência, devido aos elevados juros cobrados pelos bancos¿, destacou. Ele lembrou que, a partir de agora, as pessoas terão melhores condições dar avaliar se estão sendo vítimas de exageros, pois as faturas terão de especificar cada operação efetivada com o cartão, os encargos cobrados e o Custo Efetivo Total (CET).

No entender de Castello Branco, bancos e administradoras também tenderão a reduzir o envio de cartões de crédito sem que tenham sido requisitados. Essa irregularidade, por sinal, liderou por muito tempo o ranking de reclamações dos consumidores. A servidora pública Sílvia Peixoto, 45 anos, exemplifica bem o problema. ¿Quando os cartões chegam pelos Correios, jogo todos fora. Mas a solução não é simples, porque temos de correr atrás para cancelá-los. Se não fizermos isso, corremos o risco de nos cobrarem por algo que não usamos ou pedimos¿, disse.

A partir de hoje, quem enviar cartões sem autorização prévia do cliente estará sujeito à punições tanto do Banco Central quanto dos órgãos de defesa do consumidor. Para Sílvia, as medidas adotadas já deveriam estar em vigor há muito tempo. ¿Estava mais do que na hora de uma regulamentação mais clara. Hoje, os bancos fazem o que querem, e nós pagamos a conta¿, desabafou.