Título: Dívidas do cartão de crédito e o BC
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Fonte: Correio Braziliense, 01/06/2011, Opinião, p. 14

Em sociedades capitalistas, o acesso ao crédito é o sangue que corre nas veias do sistema produtivo. Quando se torna escasso ou caro em excesso, pode reduzir ao nível da anemia a expansão econômica. Maior é o efeito da anormalidade se, além de opor contenção aos investimentos, frear o ritmo de consumo da população. O Brasil convive hoje com a dupla frente de dificuldades, vencida à força de notável capacidade de ajustar-se à adversidade. Mas, sem dúvida, os índices de crescimento seriam mais robustos se os juros se contivessem em limites civilizados.

Circulam no Brasil mais de 170 milhões de cartões de crédito. Exercem, portanto, pressões de alta relevância na aquisição de bens e serviços e, por lógica consequência, servem ao processo de estabilização econômica. Mas, a cada dia, o imenso mercado do dinheiro de plástico não recebe tratamento compatível com a importância que tem. A taxa média de juros que lhe é aplicável chega, na melhor das hipóteses, a 238,30% ao ano. Mas há muitos casos em que atinge 600%.

Não é de admirar que a inadimplência dos usuários alcance quase 8%. Pagar em parcelas de 10% o valor mensal do boleto, em razão de momentâneo desequilíbrio do orçamento doméstico, é algo equivalente ao suicídio financeiro. Nos juros mensais adicionados ao saldo devedor incidem novos juros nas cobranças seguintes. Trata-se de figura penal denominada de anatocismo. Mas a jurisprudência dos tribunais já a afastou, isto é, legalizou a cobrança de juros sobre juros. Chega a ponto em que a dívida do infeliz cresce até 10 vezes em relação ao débito original.

A pretexto de aliviar o bolso de milhões de brasileiros, resolução do Banco Central (BC) aumentou de 10% para 15% ¿ e para 20% a partir de dezembro ¿ o valor mínimo para o abatimento do saldo devedor. Sustenta que a mudança tem efeito pedagógico. ¿Nós consideramos que esse valor é suficiente para estimular o pagamento parcial, sem que isso se torne muito pesado para o consumidor¿, disse o chefe do Departamento de Normas do BC, Sergio Odilon. Típico presente de grego.

Se milhões de cidadãos não suportam a amortização de 10%, sujeitá-los a 15% e 20% é abrir-lhes os caminhos da insolvência e maiores sofrimentos para escapar ao descrédito público. O BC, por exemplo, acha que a redução das tarifas sobre anuidades, saques em caixa eletrônico e cobrança do IOF em até 365 dias compensam o pesado encargo.

A questão central ¿ os juros astronômicos cobrados pelas operadoras de cartão de crédito ¿ está fora de qualquer cogitação. Informa o BC que as instituições financeiras estão livres para cobrar as taxas que acharem convenientes. Livres estão, também, os brasileiros para, no caso, exercer o direito inútil de espernear.