Título: Falta estrutura para descriminalizar as drogas
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 02/06/2011, Brasil, p. 10

Da Holanda, onde em 1976 os coffeshops já vendiam maconha, ao México, que há menos de dois anos permitiu a posse de pequenas quantidades de drogas, são muitos os exemplos internacionais a serem estudados pelo Brasil no debate sobre o combate aos entorpecentes (veja quadro). Seja qual for o caminho seguido, entretanto, o país não tem estrutura para descriminalizar, a curto prazo, o uso de substâncias ilícitas, diretriz mundial que será defendida, hoje, em Nova York, pela Comissão Global de Políticas sobre Drogas, da qual faz parte o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A precariedade do sistema de saúde, colocado em primeiro plano por todas as políticas que deixaram de considerar o consumidor de drogas um criminoso, é o principal entrave no contexto brasileiro, apontado por especialistas como atrasado inclusive dentro da América Latina.

¿Não se muda política relacionada a drogas como se muda a taxa de juros. É preciso que o Brasil forme uma comissão para debater, de maneira séria, as alterações. E comece fazendo experiências pontuais¿, afirma Walter Maierovitch, jurista e titular da Secretaria Nacional Antidrogas entre 1998 e 1999. Ele ressalta que, caso o Brasil decida pela descriminalização do uso de drogas, será preciso formular uma política de tratamento a dependentes para que a saúde pública seja o mote das novas ações. ¿Hoje, os locais de atendimento nem estão presentes e, onde há, são precários", diz Maierovitch.

Os números do Ministério da Saúde, atualizados em janeiro passado, corroboram a avaliação do especialista. Há apenas 258 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) especializados para dependentes químicos. Em nove estados, a cobertura nacional é classificada pela própria entre regular e baixa: de 0,20 a 0,49 Caps por 100 mil habitantes. O constitucionalista Luiz Flávio Gomes também destaca a urgência de garantir políticas de tratamento a dependentes no lugar de criminalizá-los. ¿Os juízes nem aplicam mais as penas previstas na lei, que vão de advertência a frequência em tratamento. Advertem e mandam a pessoa embora. Então, na prática, acabou o artigo 28¿, afirma o jurista, referindo-se à parte da legislação brasileira de drogas que elenca punições aos usuários.

Sanções Melhor do que as medidas que não funcionam na prática, segundo Gomes, seria copiar o que fazem países europeus e até latino-americanos. ¿Eles preveem sanções administrativas, que podem ser multa, perda de algum direito, como dirigir, por exemplo. Mas não um processo penal¿, diz o jurista. Maierovitch também considera a lei brasileira equivocada. ¿O governo Lula, ao mudar a lei para evitar que o usuário de drogas vá para a cadeia, pregou falaciosamente que estava descriminalizando o consumo. É mentira. A legislação continua colocando o carimbo de criminoso no usuário, que responde a uma ação penal¿, destaca o ex-secretário nacional antidrogas.

Ele sugere que, nas experimentações rumo à verdadeira descriminalização, o país faça experiências na área de redução de danos. ¿As nações europeias já usam o pill testing, que é levar agentes de saúde às aglomerações de jovens, longe da polícia, para testar a pureza das drogas sintéticas, informar sobre eventuais aditivos, fazer conscientização. Nossas ações para reduzir danos restringem-se ainda à distribuição de seringas¿, lamenta.