Título: Tornozeleira eletrônica
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 05/06/2011, Opinião, p. 19

Advogado

Toda a nação acompanhou o empenho pessoal do presidente Lula na disputa pela eleição de sua candidata à Presidência da República. No fim do ano passado, a campanha presidencial caminhava tão bem que nem mesmo um segundo turno deveria se realizar. Êxito assim esperado só seria possível se acaso a política não reservasse aos candidatos surpresas imprevisíveis. Foi exatamente isso o que se passou na Casa Civil, em que a sua ocupante, por atos de infeliz gestão, não teve mais como se sustentar no posto. Acredita-se que, por causa disso, as eleições se tenham prorrogado para um segundo turno. Se os fatos não tivessem acontecido naquelas dependências, a vitória presidencial estaria sem dúvida garantida ainda no primeiro turno das eleições.

Não se tem notícia, desde a Proclamação da República, que algum presidente tenha se exposto tanto na defesa de um candidato como fizera Lula, explícita e declaradamente, na de sua candidata. Todos os brasileiros são testemunhas da presença do presidente nos palanques, no rádio, na televisão, nas praças públicas, nos debates e em toda parte, a pedir votos para a sua eleita. Segundo era de seu desejo, deveria a indicada assumir o seu lugar no comando da nação. Por isso mesmo, a candidatura foi lançada e defendida em todas as instâncias da luta eleitoral, tendo sido, posteriormente, eleita, empossada na chefia do país. O sucesso dessa trajetória se deve fundamentalmente ao esforço do cabo eleitoral, que, em momento algum da disputa, a deixou desamparada. O processo eleitoral já se findou, a candidata se elegeu e está no pleno exercício do cargo desde 1º de janeiro passado.

O mandato presidencial tem sido cumprido com relativa tranquilidade. É bem-vindo pelo povo o estilo reservado e contido da presidente, a presença pessoal nos despachos no Palácio do Planalto e o acompanhamento que faz do desempenho dos ministros. Durante o governo de Lula, as rédeas desse controle andavam soltas, até mesmo pela maneira pessoal de dirigir o país, razão por que os subordinados tinham mais liberdade de ação nos cargos. Somente quando alguma evidência recomendava, é que providências eram tomadas por determinação superior. O maior estorvo enfrentado pela presidente em sua gestão até aqui é causado pelas denúncias que parlamentares da oposição e a mídia têm feito contra o seu chefe da Casa Civil.

As turbulências reinantes não existiriam no governo, pelo menos até o presente momento, se não houvesse surgido o incidente a envolver suspeitas do súbito aumento do patrimônio na declaração de renda do ministro. É difícil prever até quando a pendência vai durar, sobretudo na ausência de uma diretriz que até agora não foi tomada para acabar com a inércia. Aliás, o próprio ministro já deveria ter se afastado do cargo até que os fatos sejam esclarecidos. Decorrido todo esse tempo, não se sabe por que até agora se impôs silêncio. Seriam as preocupações jurídicas com o caso tão graves a justificar mais tempo de reflexão? O meio de se pôr termo a tudo isso é o esclarecimento público. Enquanto nada se resolve, quem paga o preço pelo desgaste político sofrido é a presidente. O tema está a exigir firmeza de atitude para que se ponha um fim às especulações. Mas por que tudo isso tem vindo à tona?

O mal da eleição patrocinada por um único cabo eleitoral forte é nisso que dá. O que se percebe é uma presidente prisioneira de um sistema de interação que opera como vasos comunicantes a lhe tolher a liberdade de movimentos. Por onde vira, aí está alguém que pode não ser de sua confiança, mas, sim, de quem o garante no cargo. Se não houvesse a determinação de Lula, é bem verdade que a presidente não teria sido eleita. Em compensação, quem perde com isso é ela, que se vê sem condições de poder livremente governar o país com os próprios meios. Muitos são os ministros mantidos nos cargos e herdados do governo passado; alguns trocaram de postos; outros direta ou indiretamente estão vinculados ao ex-chefe.

Essa mesma relação de servidores de status mais alto pode ser vista no restante do governo. A sistemática pode advir de um processo de gratidão, de compromisso ideológico ou de fidelidade ou lealdade partidária; mas, no fundo, se não gera para a presidente inconveniências ou dificuldades administrativas, o que se acredita de fato gerar, para o país a circunstância não é nada aceitável. Pode-se dizer que, por se tratar de política, o fato do reaproveitamento de servidores do governo passado se enquadre nos limites do possível. Melhor seria que o governo não contasse com tais amarras, pois assim agiria diante dos fatos com mais desembaraço e independência.

Lula fez peregrinação em Brasília na defesa do chefe da Casa Civil, seu correligionário e amigo. Quer sustentá-lo no cargo que atualmente ocupa com todo o peso de seu prestígio. E que de lá não saia sem suas expressas determinações. Será que as cabeças pensantes do petismo têm a mesma posição no sentido de que o chefe da Casa Civil retarde as explicações que devem ser prestadas à nação? Já se viu por aí que muitos já declararam que esperam que elas venham já. Tudo de mais positivo que se poderia pretender para o Brasil neste instante é que permitissem à presidente governar.