Título: O dia da escolha
Autor: Bernardo, Maristela
Fonte: Correio Braziliense, 05/06/2011, Opinião, p. 19

Socióloga e jornalista

O Dia Mundial do Meio Ambiente perdeu a inocência. Vai longe o tempo em que se caracterizava mais pelas solenidades nas escolas, com o plantio de mudinhas e encenações pueris para ensinar às crianças o amor à fauna e à flora. Hoje é melhor tirar as crianças da sala porque a coisa não raro baixa de nível e as encenações são frequentes, porém, não recomendáveis para menores.

Como em qualquer assunto difícil, devem ser encontradas as palavras certas, mas é recomendável achar meios de explicar às crianças o que de fato acontece, porque um dia elas chegarão à puberdade social e é interessante que saibam pelo menos se defender daquilo que pode traumatizá-las ou comprometer seu futuro. Acreditem: hoje em dia há mais do que sexo e drogas para conversar com os filhos e prepará-los para a vida real.

E não adianta evitar que leiam notícias e vejam ao vivo na tevê ou na internet o que aconteceu, por exemplo, na última reunião internacional da Convenção do Clima ou da Biodiversidade. Elas podem desanimar, pensar que os poderosos do mundo estão mais interessados em manter suas áreas de domínio do que nas urgências da humanidade.

Também não adianta impedir que tenham acesso ao debate e à votação, na Câmara dos Deputados, do Código Florestal. Mesmo que você acredite que é imoral anistiar infratores e criar regras mais frouxas para continuar o desmatamento no país, deixe as crianças assistirem. Mas veja com elas! Proibir é pior. Podem ficar sabendo na rua, e vão acabar pensando que a defesa do meio ambiente é coisa de gente radical que quer prejudicar o produtor; que essa gente faria melhor se fosse se distrair criticando os estragos ambientais feitos em outros países.

Aí você terá a oportunidade de esclarecer que o Brasil e o mundo vivem uma transição muito importante, histórica, na ideia do desenvolvimento. Que o antes considerado critério maior de progresso nos dois últimos séculos ¿ o do crescimento material, da competição quase sem limites e da individualização do lucro ¿ levou a uma situação ambiental e social que, como sabemos hoje, atingiu ponto crítico, com perspectivas altamente destrutivas, simbolizadas pelas mudanças climáticas globais.

Pode demonstrar também, com fatos, números e estudos, que o uso intenso, irrefletido e destrutivo dos recursos naturais, se levou parte (a menor) da humanidade a um nível de conforto, riqueza e padrão tecnológico nunca antes vistos, deixou para a maioria um preço enorme a pagar, em termos de injustiças, má qualidade de vida e falta de acesso a direitos humanos básicos, entre os quais o de um meio ambiente saudável.

É por isso que é um erro dissociar a defesa do meio ambiente da defesa da mudança do modelo de organização econômica, social e política das sociedades. É por isso que ser ambientalista em nossos tempos é também questionar as desigualdades sociais, exigir ética no trato do interesse público, defender a primazia do bem-estar coletivo sobre os valores materiais e de consumo individuais, batalhar pela reforma do sistema politico. Tudo isso e o uso correto do ambiente natural conformam um mesmo movimento, são indivisíveis.

Milhares de pessoas em todo o mundo, inclusive crescentes setores do empresariado, compreenderam e andam nessa direção, eliminando antigas discriminações mútuas, como demonstrou Adriana Ramos (¿O código dos ruralistas¿, Correio Braziliense, 2/6/2001). Não são suficientes, entretanto, para ocupar o lugar de corrente majoritária do pensamento e da ação sobre os rumos do desenvolvimento em cada país e no planeta. Ainda são dominantes os padrões culturais com base no consumo exacerbado ¿ motor do modelo vigente ¿, o individualismo persistente e o apego a sistemas de produção tradicionais, impermeáveis ao conhecimento ambiental e social adquiridos nas últimas décadas.

Não se trata de estabelecer uma linha de confronto. O novo surge em meio ao antigo e, se é adequado à procura de respostas para um dado momento, vai se instituindo como veio principal. Mudança, assim como o ciclo de vida-morte de cada ser, parecem ser as duas únicas realidades inexoráveis. Estamos num momento muito especial, o do novo fazendo uma enorme força para emergir da couraça do antigo, para associar a noção de desenvolvimento e progresso a qualidade de vida. Seria melhor chamar o Dia Mundial do Meio Ambiente de Dia da Escolha. Porque é disso de que se trata.