Título: A energia nuclear está perto do fim?
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 05/06/2011, Mundo, p. 20

O terremoto e o tsunami que provocaram, em Fukushima (Japão), o mais grave desastre nuclear desde o acidente de Chernobyl, em 26 de abril de 1986, também abalaram estruturas políticas. A pressão exercida pelo Partido Verde levou a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, a anunciar a suspensão ¿ progressiva e irreversível ¿ de todos os 17 reatores nucleares do país até 2022. ¿Ficará completamente claro que cada estação de energia nuclear terá uma data final de operação; com isso, haverá total transparência e nenhuma possibilidade de evasão¿, afirmou a chanceler. A polêmica decisão exige a transformação da matriz energética por meios renováveis, como o sol e os ventos, e já atrai seguidores. A Suíça, onde 40% da eletricidade produzida é de fonte nuclear, anunciou que fechará todos os reatores até 2034. A Suécia debaterá ainda este mês o futuro de suas centrais atômicas. O Brasil, por sua vez, deve reavaliar a construção de mais usinas.

Enquanto ambientalistas comemoram uma suposta tendência mundial, especialistas garantem que os benefícios da energia nuclear ainda compensam seus riscos. E sustentam que essa forma de produzir eletricidade é tão ou mais segura que as outras. O Correio entrevistou dois ativistas, um engenheiro nuclear, dois professores de renomados centros de pesquisa mundiais e um médico com formação em física de alta energia. E colocou-lhes, entre outras perguntas, o questionamento acima. A seguir, eles expõem suas opiniões sobre o tema e fazem uma defesa ou condenação de uma das áreas mais controversas da indústria moderna.

Decisão política e emocional

Matthew Bunn, professor da Universidade de Harvard e coinvestigador do Projeto sobre o Gerenciamento do Átomo

¿A decisão da Alemanha está relacionada à própria cultura política e à sua relação com a energia nuclear. Certamente será uma batalha para o país livrar-se da energia nuclear sem aumentar as emissões de gases do efeito estufa. O futuro da energia nuclear vai variar de país para país. A China, com o maior número de reatores em construção, parece pronta para continuar. Assim como a Índia e a Rússia, ambas com um grande número de reatores planejados. Em várias outras nações, os planos estão sendo adiados ou cancelados. Veremos o crescimento da energia nuclear, mas há uma chance reduzida de que será em escala gigantesca, capaz de mitigar as mudanças climáticas. As estimativas mais graves sugerem que Chernobyl tenha causado até 30 mil mortes por câncer a longo prazo. Dezenas de milhares morrem ao respirar as partículas emitidas pelas minas de carvão todos os anos. Precisamos trabalhar duro para resolver os problemas que limitam o crescimento da energia nuclear ¿ custo, segurança, não proliferação e gerenciamento de resíduos.¿

Dimitri A. Dimitroyannis, médico grego especialista em física de alta energia e oncologista do Memorial City Houston

¿Foi uma decisão extremamente surpreendente, se tomada com méritos científicos e técnicos. A Alemanha gera cerca de 25% de sua eletricidade a partir da energia nuclear e tem um histórico excelente de segurança e operacionalidade de seus reatores. Mas ela não será seguida pelos maiores países industrializados, como França, Reino Unido, Rússia e China. Nem mesmo pelo Brasil, que continua a planejar usinas. Qualquer modalidade de produção de energia carrega seus riscos: as hidrelétricas mudam radicalmente o meio ambiente e há a possibilidade catastrófica de colapso da represa; a extração de carvão é um negócio mortal para os mineradores. A geração nuclear de eletricidade carrega pequenos e bem compreendidos riscos. Uma forma de ver o acidente em Fukushima é que o sistema funcionou melhor que o planejado! Os reatores, com quase 40 anos de idade, foram desenhados para suportar um terremoto de magnitude 7,5 na escala Richter e um tsunami de 6,5m. Eles foram atingidos por um tremor de magnitude 9 e ondas de 13m. Pouca radioatividade foi liberada no ambiente.¿

Jacopo Buongiorno, professor italiano de ciência e engenharia nuclear do Massachusetts Institute of Technology (MIT)

¿A decisão do governo alemão parece mais apressada e tomada pela emoção causada pelo acidente no Japão do que racional. Seu objetivo de ter entre 60% e 70% da produção de eletricidade coberta pelas energias solar e eólica até 2022 é francamente irreal. É bem sabido que o custo real e não subsidiado da eletricidade produzida com fontes renováveis é muito mais alto do que a nuclear, o carvão e o gás. Muitos governos têm reafirmado seu comprometimento com a energia nuclear, incluindo os EUA, a China, a Coreia do Sul, a França e a Finlândia, para nomear alguns. Os benefícios da energia nuclear incluem a inexistência de emissões de dióxido de carbono, a alta confiabilidade de geração (operação 24 horas por dia, em sete dias da semana), ampla disponibilidade de combustível, grande segurança e custos razoáveis. O histórico de segurança da indústria nuclear é muito bom. As usinas atômicas são as indústrias mais bem gerenciadas e monitoradas no mundo.¿

As vantagens e os perigos

Robert Lieber, professor de governo e assuntos internacionais da Georgetown University (EUA)

¿O desastre na usina de Fukushima e a decisão da Alemanha terão algum impacto internacional, mas não representarão o fim da energia nuclear. Os alemães foram motivados também pela política doméstica. O Partido Verde goza de prestígio nas pesquisas de opinião e os liberais-democratas, a coalizão da chanceler Angela Merkel, está em apuros. O problema é que o uso de energia solar e de energia eólica não pode suprir os 20% de eletricidade gerados pelas usinas atômicas. A energia nuclear requer normas de segurança, treinamento e operação rigorosas. Ela não emite gases do efeito estufa e independe do tempo ou da luz solar. Nenhuma forma de energia está livre de riscos. A poluição do ar, advinda do carvão, representa um grande risco à saúde. O petróleo e o gás natural são inflamáveis e podem ser explosivos. Os poços e tanques de petróleo causam terríveis vazamentos. A energia eólica exige torres imensas. Sua construção e manutenção são perigosas. Os moinhos matam vários passaros. As hidrelétricas podem alterar o fluxo dos rios. Em suma, a energia nuclear tem mais benefícios do que riscos.¿

Natalia Mironova, presidente do Movimento para Segurança Nuclear (em Chelyabinsk, Rússia)

¿Estou certa de que Alemanha, Suíça e quatro outros países serão os primeiros a abandonar a energia nuclear. A principal razão são os custos ¿ moral, econômico, ético, cultural e ambiental. O acidente em Fukushima pôs em xeque as normas regulatórias e padrões da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), além da capacidade do Estado de se preparar para um desastre nuclear. Os vazamentos radioativos após um acidente poluem a terra por 240 mil anos (10 mil gerações), causam mutações bacteriológicas e humanas, provocam câncer, aumentam o preço da recuperação da saúde, produzem anomalias genéticas e doenças. Além disso, restringem a atividade humana e induzem a uma crise do sistema financeiro, político e de suprimentos. A energia nuclear apresenta muito mais riscos do que benefícios. Em 65 anos de história nuclear, houve mais de 400 eventos. Em média, ocorrem seis casos por ano, quando a Avaliação de Risco da AIEA prometia um caso a cada 10 mil anos.¿

Jan Haverkamp, especialista holandês em energia na Europa Central e no leste europeu pela ONG ambiental Greenpeace

¿Não há dúvidas de que os riscos da energia nuclear superam muito qualquer benefício. Ela é muito pouco, muito tardia e muito cara para ser capaz de ajudar a conter as mudanças climáticas. A mineração de urânio, também no Brasil, causa tragédias humanas todos os dias. O lixo radioativo é um problema mundial sem solução. A disseminação da tecnologia nuclear tem colocado a bomba atômica nas mãos de Índia, Paquistão, Coreia do Norte, Israel, África do Sul, Brasil e Argentina. O Irã está perto disso. Os desastres em Chernobyl (Ucrânia), Fukushima (Japão), Mayak (Rússia) e Sellafield (Reino Unido) serão cicatrizes seculares na superfície da Terra. A energia nuclear não é necessária. Por ter sido baseada em argumentos, a decisão da Alemanha terá influência fundamental no resto do mundo. A Suíça já está seguindo o exemplo. Esse passo importante renovou os debates na Polônia, na Itália e na Bélgica. O Brasil deveria seguir essas conclusões e parar de injetar bilhões de dólares na loucura nuclear.¿