Título: Calote de R$ 59 bilhões
Autor: D'Angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 06/06/2011, Economia, p. 8

As famílias já começam a colocar um freio no ritmo de consumo, conforme indicaram os últimos dados do Produto Interno Bruto (PIB) divulgado pelo IBGE na última sexta-feira. Mas só segurar o impulso de novas compras pode não ser suficiente para colocar o orçamento em dia. Com a alta da inflação, o encarecimento do crédito e o crescimento mais brando da economia, que reduz a oferta de empregos e inibe o aumento da renda, os brasileiros deverão ter dificuldades para quitar seus débitos. Resultado: os índices de inadimplência, que estão em alta neste início de ano, subirão mais. No total, consumidores e empresas já devem a bancos e financeiras R$ 59 bilhões em prestações vencidas há mais de três meses, maior valor desde fevereiro de 2010.

A diferença é que, naquele início de ano, as perspectivas eram de intenso crescimento da economia e da renda dos trabalhadores, confirmados pela expansão de 7,5% do PIB. Mas o que realmente chamou a atenção de técnicos do Banco Central foi o ritmo de aumento dos atrasos de 15 a 90 dias no pagamento de parcelas de empréstimos e financiamentos por pessoas físicas. Excluídos os financiamentos habitacionais, o calote saltou de 5,3%, em dezembro último, para 6,6% em abril.

Desde janeiro, o tamanho dessa inadimplência supera o das parcelas vencidas acima de 90 dias, que subiu para 6,1% em abril, o que não acontecia desde 2005. O problema é que o grande volume de dívidas vencidas em até 90 dias tende a se converter em atraso maior, refletindo nos índices acima de 90 dias, de maior dificuldade de recebimento.

Preocupados com o atraso constante no recebimento dos débitos, os bancos vêm aumentando, mês a mês, as provisões para cobrir eventuais perdas e vedar riscos de uma crise financeira. Pelos cálculos do BC, essa reserva atingiu R$ 98,2 bilhões, o equivalente a 6% de tudo o que está emprestado a pessoas físicas (R$ 819 bilhões) e a empresas (R$ 957 bilhões).

Pente-fino O montante alto de crédito nas mãos de consumidores e a escalada da inadimplência em um momento de subida da inflação e dos juros colocaram em alerta vermelho a área de fiscalização do BC. Tanto que ao menos uma centena de instituições passará pelo pente-fino da autoridade monetária até o fim do ano, conforme informações obtidas pelo Correio.

Os bancos já se adiantam e fecham as torneiras que foram escancaradas desde 2007, com a disponibilização de crédito rápido em conta-corrente, acompanhado de generosos limites para todo tipo de empréstimo, incluindo cheque especial. Agora, a oferta de recursos está limitada e os juros, em alta. ¿Isso (volume alto do endividamento e da inadimplência) é resultado da política do governo, que mandou todo mundo gastar, incentivando o crédito. Não havia como esse quadro continuar. As próprias instituições estão dificultando o acesso ao crédito, não pela qualidade do cliente, mas por medo do aumento da inadimplência¿, disse José Luiz Rodrigues, presidente da Consultoria JL Rodrigues. Segundo ele, os bancos não podem mais ceder crédito tão facilmente.

Além da conjuntura atual, há um pacote de regras que os bancos têm que seguir já há algum tempo, que levam à redução da oferta e ao aumento do custo, como o aporte maior de capital para atender o índice de Basileia (regra de segurança internacional, medida pela relação entre o patrimônio líquido e o passivo, ponderados os riscos). Ou seja, se seu banco anda cortando seus limites de crédito, saiba que não é nada pessoal. É com todo mundo.

Para João Augusto Salles, analista de investimentos da Lopes Filho Associados, o aumento mais acelerado das provisões feitas pelos bancos para créditos duvidosos é um movimento preventivo, devido à possibilidade de a inadimplência aumentar mais à frente. ¿As taxas de juros estão ascendentes, o custo de captação aumentou e isso significa risco maior¿, afirmou. Ele lembrou que, em 2008 e 2009, os bancos, em especial os públicos, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, escancaram as torneiras do crédito para evitar o aprofundamento da recessão econômica, sem muito monitoramento do risco, amenizado pelo crescimento da economia. Agora, a hora é de maior seletividade. ¿Isso implica monitoramento maior¿, ressaltou.

Eletrodomésticos Os maiores índices de calote das famílias estão nos financiamentos de veículos e de eletrodomésticos e nos cartões de crédito. O que demonstra o excesso de sede com que os consumidores foram às compras, assumindo prestações mensais com o orçamento já apertado. O atraso de 15 a 90 dias no pagamento de carros e nos carnês das lojas chegou a 8,1% e 8,6% em abril, respectivamente, retornando aos patamares do primeiro semestre de 2009, quando o mundo e o Brasil haviam sido abatidos pela crise mundial.

Com um total de R$ 100 bilhões em compras e em faturas vencidas nos cartões de crédito, os consumidores também estão se enrolando na hora de honrar os compromissos. Em abril, 25,34% dessa bolada estavam vencidos há mais de três meses. O que torna mais dramático manter essa dívida sem quitá-la é que ela está custando em média de 10% a 11% ao mês em juros.