Título: Quanto vale o seu trabalho?
Autor: Pinto, Paulo Silva
Fonte: Correio Braziliense, 04/06/2011, Política, p. 4

Um bom exercício para qualquer profissional é pensar todos os meses quanto vale o que ele faz. Isso exige, em primeiro lugar, ter a noção do que efetivamente produziu, e, em seguida, checar qual é o valor de seu produto no mercado. Se chegar à conclusão de que faz algo que vale muito mais do que sua remuneração, então é melhor se mexer, buscando alternativas de emprego ou pedindo aumento ao chefe.

Os deputados federais e senadores não precisam passar por essa etapa. Compõem um grupo único e altamente privilegiado que decide seu próprio salário. Nem o presidente da República ou do Supremo Tribunal Federal (STF) têm essa prerrogativa: se quiserem aumento de salário para si ou para seus subordinados, eles precisam enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional. Os parlamentares enviam um projeto de lei para eles mesmos, fixando um valor que não exceda o dos ministros do STF, o qual, no fim das contas, também é deliberado pelos parlamentares.

É verdade que o fato de decidir o próprio salário não livra os parlamentares de constrangimento. Afinal, todo o Brasil está olhando quando eles deliberam sobre o assunto. Agora eles querem se livrar também desse incômodo. Na semana passada, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) que vincula automaticamente o salário dos parlamentares ao dos ministros do STF.

Desde agosto do ano passado, tramita no Congresso um projeto de lei enviado pelo presidente do STF, Cesar Peluzo, que aumenta os salários dos ministros dos R$ 26.723 atuais para R$ 30.675. Se a PEC de Marquezelli for aprovada, o salários dos deputados, dos senadores e da presidente da República passará automaticamente para o patamar da mais alta corte do Judiciário, ou seja: os parlamentares vão continuar a decidir seu salários, sem ter sequer de admitir que estejam sendo movidos por isso.

O simples aumento de 15% ora proposto tem impacto bem maior do que pode parecer. Nas casas legislativas das unidades da Federação, os vencimentos dos deputados obedecem a um teto estabelecido como um percentual do que se paga no Congresso Nacional. Assim, eles ficarão livres para aumentar também os próprios salários. Estima-se que o impacto em todo o país será de R$ 82 milhões por ano.

Conforme o raciocínio estabelecido no início deste texto, os parlamentares brasileiros têm o direito de questionar se o que fazem vale mais do que lhes é pago. Mas então é necessário ir ao mercado e verificar parâmetros. O trabalho de um parlamentar não pode ser equiparado a nada no setor privado, mas pode ser visto à luz da comparação internacional. Estudo da Transparência Brasil com dados de 2007 em 11 países mostra que o Congresso brasileiro só não é mais caro do que o dos Estados Unidos (a íntegra está disponível em http://www.transparencia.org.br/docs/parlamentos.pdf).

Não é só o vencimento do parlamentar que é mais alto. A isso acompanham-se a leniência em vários outros itens, como as verbas de gastos de gabinete, a contratação de assessores e até mesmo as contratações de funcionários concursados. Em muitos casos, ainda que não em todos, os funcionários do legislativo federal recebem muito mais do que se paga em funções semelhantes, seja no Executivo, seja em empresas.

Segundo o estudo da Transparência Brasil, o custo médio por parlamentar foi de R$ 10 milhões em 2007. Os senadores custaram muito mais dos que os deputados federais: R$ 33,1 milhões e R$ 6,6 milhões, respectivamente. Mas por qualquer parâmetro que se use, os custos anuais ficaram muito além da média dos parlamentares europeus, de R$ 2,4 milhões. Sim, os dados são antigos. Mas hoje a realidade tende a ser muito pior. O orçamento das duas casas do Congresso Nacional no Brasil era de R$ 6,07 bilhões em 2007, descontando-se os gastos do Tribunal de Contas da União. De acordo com o Orçamento da União de 2011, esse valor é hoje de R$ 7,57 bilhões, um aumento de 25%. Nos últimos quatro anos, os governos europeus, imersos em uma crise econômica, foram no sentido inverso e cortaram despesas.

Os parlamentares brasileiros sabem de tudo isso? Pouco importa. O que realmente pode preocupá-los é que os eleitores saibam disso e lhes comuniquem, seja pessoalmente, por e-mail, por telefone ou, se nada disso der resultado, pelo voto. Quem sabe um dia ao lado das bancadas temáticas, como a dos ruralistas, dos evangélicos e outras, exista também uma bancada da responsabilidade fiscal.