Título: A nova invasão holandesa
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 04/06/2011, Economia, p. 18

Enviado especial

Amsterdã ¿ No século 17, a armada neerlandesa, capitaneada pelo conde João Maurício de Nassau-Siegen, passou 30 anos em terras tupiniquins ¿ deixando referências históricas importantes, mas isoladas ao Recife. Agora, 400 anos depois, comerciantes holandeses querem ir mais longe e montar bases permanentes.

A nova invasão, ao contrário da primeira, deixa distantes as referências bélicas e é embalada pela crise econômica que explodiu na Europa em 2008. Para enfrentá-la, os integrantes dos Países Baixos reabrem flancos no país ocupado entre 1624 e 1654.

Os comerciantes holandeses escolheram o Brasil como parceiro prioritário entre os Brics. A estratégia é ousada e, no primeiro momento, até simples de explicar. Hoje, cerca de 200 empresas dos Países Baixos trabalham com algum tipo de negócio no Brasil ¿ ao longo dos últimos 10 anos, incorporações foram feitas em bancos e supermercados, por exemplo.

Entre as maiores companhias, estão a Phillips, a Shell, a Unilever e a KLM, a empresa aérea que realiza voos diários Amsterdã-São Paulo-Amsterdã.

O mercado, porém, parece se abrir em oportunidades com o crescimento econômico brasileiro, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Os holandeses acreditam ter a oferecer experiência em áreas como transportes, logística, agricultura, design e educação.

Entre janeiro e maio deste ano, os Países Baixos foram campeões em investimentos diretos no Brasil: US$ 8,1 bilhões (35%), ficando à frente da Espanha (20,2%), Estados Unidos (13,4%) e Japão (7,1%). No ano passado, dos US$ 52 bilhões de investimentos diretos no Brasil, 12,7% vieram dos holandeses. Os comerciantes dos Países Baixos dizem ter mais chances de lucro e mais afinidades com brasileiros do que com russos, indianos ou chineses. Partindo de uma lógica própria, empresários acreditam que a democracia estabelecida no Brasil é um antídoto contra insegurança jurídica, regras pouco claras de comércio exterior ¿ e, no caso da China, contra também a mão forte do Estado nos negócios.

¿O Brasil abre cada vez mais espaço na economia internacional e tem, com a Holanda, uma conexão histórica¿, disse o ministro holandês de Relações Internacionais, Uri Rosenthal. Instalado numa das salas do Ministério de Relações Internacionais, em Haia, Uri Rosenthal demonstrava otimismo. ¿Podemos expandir as atuais atividades em vários domínios, como tecnologia, transportes e energia¿, afirmou o ministro a um grupo de jornalistas brasileiros no fim da tarde de 25 de maio. Os holandeses se orgulham das empresas, da tecnologia que desenvolvem ¿ das simples às complexas ¿ e de grandes construções, como o Aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, e o Porto de Roterdã.

¿Puxadinho¿ O Porto de Roterdã é um megaprojeto à parte, com 35km de extensão, o maior de toda a Europa, e ainda em expansão. O caso do Schiphol é de deixar distante qualquer puxadinho dos aeroportos brasileiros. A cada ano, quase 50 milhões de viajantes e mais de 1,5 mil toneladas de cargas passam pelo Schiphol. A título de comparação, a capacidade anual do terminal de passageiros do Galeão, no Rio de Janeiro, é de 8 milhões de pessoas. Em tempos de organização de Copa do Mundo, os holandeses querem mostrar eficiência e abrir parcerias com empresários e o governo brasileiro.

É o caso da empresa Amsterdã Arena, que administra o estádio do time holandês de futebol Ajax e é responsável pela consultoria do estádio da Fonte Nova, na Bahia. Na sala de controle de câmeras e luzes instalada nas cadeiras superiores do gramado do Ajax, Henk. J. Markerink, diretor-executivo do Grupo Amsterdã Arena, deixa claro o interesse em outros estados brasileiros. O Grupo Arena é a holding do Amsterdã Arena Advisory e da Arena do Brasil. ¿A principal preocupação é construir algo e não usar. A construção de um estádio tem um impacto muito grande na sociedade¿, disse Markerink. ¿Um estádio de futebol é mais do que um local para jogos. É um espaço para convivência, com shows, restaurantes e academias, grandes eventos, como congressos.¿

Mesmo com todo entusiasmo, os empresários holandeses acham a legislação tributária brasileira um tanto confusa. E contratam advogados especializados no Brasil. Em Roterdã, o Correio encontrou um advogado mineiro que atua na Europa. ¿Para eles (os holandeses), é tudo muito confuso e de fato é. É quase impossível explicar a razão de tantos tributos¿, disse ele, que trabalha num dos maiores escritórios do mundo, que tem filial nas principais cidades dos Países Baixos.

A 65km dali, na embaixada brasileira em Haia, o ministro-conselheiro Carlos Alberto Asfora relativizou a reclamação sobre a carga tributária brasileira. ¿Sabemos que a nosso sistema tributário é complicado, mas, por outro lado, existem as dificuldades enfrentadas por nós. Um exemplo é o do setor bancário, que no Brasil é descomplicado. E no caso dos holandeses, as vantagens mais que compensam eventuais dificuldades no Brasil¿, afirmou Asfora. Nascido em Pernambuco, o ministro-conselheiro é um especialista na história da colonização holandesa. ¿A Holanda tem uma grande influência no Brasil. Mas boa parte dos holandeses desconhece tal coisa¿, disse. Nunca é tarde para a descoberta.

» O repórter viajou a convite do governo holandês

» Colaborou Victor Martins

Destaque No jargão econômico, a sigla Brics refere-se ao grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países ainda em desenvolvimento, mas em destaque por causa do crescimento econômico dos últimos anos.

Benefícios O investimento direto é realizado por meio de compras de empresas, criação de unidades produtivas ou reforço em firmas instaladas no país e beneficia diretamente o setor empresarial.

Ano da Holanda O governo brasileiro proclamou 2011 como o Ano da Holanda no Brasil, que irá promover feiras e eventos de negócios, cultura e esportes, como o jogo de futebol marcado para hoje, em Goiânia.