Título: Descaso crônico
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Fonte: Correio Braziliense, 04/06/2011, Opinião, p. 20
As paralisações relâmpagos dos ônibus tumultuam a vida do usuário e trazem à tona, mais uma vez, o descaso crônico com o transporte público do Distrito Federal. Em uma semana, os rodoviários cruzaram os braços por quatro vezes em resposta à demora nas negociações do reajuste salarial. Fazem-no em horários estratégicos para atingir o maior número possível de pessoas. Assim, trabalhadores, depois de longa jornada, ficam impossibilitados de voltar para casa na hora habitual.
Paradas superlotadas viraram rotina. As vans piratas, que põem em risco a vida de adultos e crianças, tornam-se a alternativa para solucionar o problema. Quem prefere não correr perigo sujeita-se a longas esperas. Quando o ônibus chega, não tem espaço para mais passageiros. O seguinte também não. O outro tampouco. O sacrifício injusto e interminável provoca reações como as de quinta-feira. Revoltados com o locaute, centenas de cidadãos protestaram com barricadas que interromperam o trânsito na Asa Norte e na Rodoviária do Plano Piloto.
Ninguém apoia atos de violência. Mas ninguém pode deixar de entender a ação desesperada. Atrás dos protestos está um recado claro: passou da hora de o governo tomar medidas efetivas capazes de garantir o direito de ir e vir assegurado pela Constituição. Os ônibus que circulam pelos eixos e curvas da capital da República surpreendem pelo contraste. Velhos, malcuidados e ambientalmente incorretos, não combinam com a modernidade da urbe. A precariedade não se restringe à aparência. A manutenção irresponsável deixa passageiros no meio do caminho com indesejável frequência. Não só. Acidentes envolvendo ônibus alejam e matam. De 2000 a 2011, ceifaram a vida de nada menos de 415 brasilienses.
O pouco caso com os meios coletivos de locomoção acarretam outras consequências preocupantes. Além de tumultuar o trânsito já tumultuado, impede que profissionais cheguem ao trabalho. Sem conseguir obedecer ao ritmo previsto, a economia padece. Produtos sofrem atrasos, e serviços deixam de ser prestados. Mais: com a decisão do STF de revogar incentivos fiscais, o GDF precisa melhorar a qualidade da infraestrutura não só pra manter as empresas aqui instaladas, mas também para atrair investimentos. Em bom português: é irresponsabilidade continuar a tratar o transporte público como promessa. Impõe-se passar das palavras aos atos.