Título: O rio largo e o riacho
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: Correio Braziliense, 04/06/2011, Opinião, p. 21

Jornalista, é presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

A Anatel antecipou-se ao Congresso, onde o PL 116 se arrasta no Senado depois de longa tramitação na Câmara como PL 29. Com base na velha Lei do Cabo, a agência reguladora aprovou, na quinta-feira, regras que permitirão o ingresso das empresas de telefonia no mercado de TV por assinatura. Ok, as teles choraram e levaram. O consumidor talvez ganhe com a maior oferta de conteúdo e programação de TV desde que a competição faça o preço cair. No Brasil, essa lei capitalista nem sempre funciona.

Certo é que se abre agora uma larga avenida para a ação das teles, que já faturam muito mais que os radiodifusores (empresas de rádio e televisão). É hora de colocarem a mão na consciência e arquivarem a política mesquinha que vêm praticando contra a comunicação pública, que começa a dar os primeiros passos no Brasil.

Sei que estou falando grego para quem não é do ramo, mas vou tentar explicar. O assunto não interessa só aos do ramo, mas a toda a sociedade. A Anatel existe para regular e fiscalizar a atuação das empresas de radiodifusão e de telecomunicações. As primeiras não queriam as teles disputando o mercado de televisão paga, mas, pelo visto, as teles levaram a melhor.

Onde entra a mesquinharia contra a comunicação pública? Vamos lá. Estamos falando não apenas da EBC e do sistema público que está implantando mas também das TVs legislativas e do Judiciário, da TV Escola e de outras redes públicas previstas no decreto da TV digital, mas que só existirão nesse sistema. Falo da Rede da Cultura e da Rede da Cidadania.

Hoje, no sistema analógico, não há canais para mais ninguém. O setor privado levou tudo. A TV Brasil, TV pública federal, tem cobertura restrita no pais. Supre a limitação formando rede com as TVs educativas, distribuindo a programação por satélite (vulgarmente falando, pela antena parabólica. O Brasil tem 22 milhões delas!) e por TVs por assinatura.

A comunicação pública é atributo das melhores democracias. Ajuda a equilibrar o sistema de radiodifusão, dando-lhe pluralismo, de opinião ou de conteúdo. No Brasil, ao contrário de outros países, sobretudo dos europeus, ela está surgindo com atraso de décadas. Sempre é tempo, mas o detalhe é que a comunicação pública precisa ser financiada por dinheiro que não venha da publicidade comercial, pois não deve praticá-la. Deve ser independente do governo e do mercado para oferecer o complemento. Por exemplo, programas necessários, mas que não atraem publicidade. Programas educativos, culturais ou para minorias, por exemplo.

Pois bem. Quando da votação da Lei da EBC, no início de 2008, o relator na Câmara, deputado Walter Pinheiro, atendeu a nosso apelo para que imaginasse uma fonte perene de financiamento da TV Pública. Ele concebeu a Contribuição de Fomento à Comunicação Pública, composta por 5% do que deveria ser recolhido ao Fistel pelas empresas de radiodifusão e telecomunicações. Destinou 75% dos recursos à EBC e os 25% às demais TVs do campo público federal ¿ as que eu citei.

Eis que, criada a EBC, entramos em campo para regular o recolhimento desse rico dinheirinho. Rico para a comunicação pública, mas pouco significativo para as teles, que faturam mais de R$ 50 bilhões por ano. Eis, porém, que o Sinditelebrasil, que representa as teles, foi à Justiça, ganhou uma liminar e passou a depositar os recursos em juízo. Estão retidos em juízo mais de R$ 600 milhões, que poderiam estar impulsionando a migração das emissoras públicas para o sistema digital. Ou financiando equipamentos e programação alternativa.

Recentemente, com a mediação do professor Murilo Ramos, membro do Conselho Curador da EBC, a ministra Helena Chagas e eu discutimos o assunto com o Sinditelebrasil. Combinamos designar técnicos para examinar o assunto e as possibilidades de acordo. A hora ajuda. Quando um rio tão caudaloso começa a correr no terreno das teles, elas bem que poderiam liberar as águas do pequeno riacho previsto para irrigar o campo árido da comunicação pública.