Título: Por um Brasil livre do fumo
Autor: Antônio, Luiz ; Cavalcante, Tânia
Fonte: Correio Braziliense, 04/06/2011, Opinião, p. 21

Luiz Antônio Santini Diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA)

Tânia Cavalcante Secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro de Controle do Tabaco (Conicq)

No último dia 31 de maio foi celebrado em todo o planeta o Dia Mundial sem Tabaco. Embora muitos avanços tenham sido conquistados em escala global na luta contra o fumo, ainda não é o momento para comemorar. Atualmente, o mundo assiste a um alarmante crescimento da carga de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT) como câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas (bronquite, asma e enfisema), tendo o tabagismo como um dos grandes causadores. Esses males, se somados ao diabetes, representam mais de 60% das mortes anuais no mundo, porém consomem menos de 3% dos recursos públicos e privados aplicados na saúde.

O fumo e outros fatores, como o consumo de alimentos com alto teor de gorduras saturadas e trans, sal e açúcar, o sedentarismo e o consumo nocivo de bebidas alcoólicas, causam mais de dois terços de todos os novos casos de DCNT no mundo e aumentam o risco de complicações nas pessoas que já sofrem dessas doenças. Das 35 milhões de mortes anuais no mundo por DCNT, cerca de 80% ocorrem em países em desenvolvimento. E estima-se que, para cada 10% de aumento na mortalidade por essas doenças, o crescimento econômico seja reduzido em 0,5%.

A magnitude do problema na saúde pública e o entendimento de que o controle dos fatores determinantes das DCNT depende de articulação intersetorial e global levaram a ONU a promover reunião com chefes de governo, a ser realizada em setembro próximo, a fim de pactuar um plano global para a sua prevenção e controle. Nesse contexto, o controle do tabaco é considerado uma das intervenções mais prioritárias e viáveis em custo para o alcance dos objetivos desse plano.

O tabagismo ainda é uma epidemia em franca expansão, principalmente em países em desenvolvimento. Uma situação que levou 192 países a negociarem o primeiro tratado internacional de saúde pública sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS) ¿ a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) ¿ e a reconhecerem a indústria do tabaco como vetor da epidemia de tabagismo.

Em novembro de 2005, o Senado Federal ratificou a adesão do Brasil a esse tratado. Nessa ocasião, muitas das suas medidas já estavam implementadas nacionalmente, em maior ou menor grau. Hoje, a prevalência de fumantes no Brasil é uma das menores do mundo, o que já se traduz em redução da mortalidade por doenças cardiovasculares (homens e mulheres) e por câncer de pulmão (homens).

No entanto, ainda temos muitos desafios. Um deles é que os 24 milhões de fumantes atuais estão concentrados mais nas populações de menor renda e escolaridade, as mais vulneráveis às estratégias de mercado. Quase 24% da população ainda se expõem involuntariamente à fumaça ambiental de tabaco em seus locais de trabalho, índice também maior nas populações de menor renda e escolaridade.

Isso evidencia que a Lei Federal nº 9.294, que desde 1996 proíbe o ato de fumar em recintos coletivos, não tem sido eficiente para proteger de forma adequada a população dos riscos do tabagismo passivo, pois ainda permite áreas reservadas para fumar.

Alguns países e cidades que adotaram leis proibindo o ato de fumar em recintos coletivos já registram redução do número de internações por doenças cardiovasculares. Por esse motivo, essa é uma das medidas centrais do plano para controle de DCNT a ser apresentado na reunião da ONU com chefes de governo.

Mas, nesse quesito, o Brasil ainda é devedor. E está nas mãos do Congresso Nacional a decisão de mudar isso. Desde 2008 tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 315, com o objetivo de ajustar a Lei 9.294/96 às diretrizes da Convenção-Quadro. Embora tenha recebido parecer favorável dos seus relatores em duas comissões do Senado, esse projeto tem sofrido sucessivos adiamentos na sua votação.

Por outro lado, estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, que se anteciparam e já ajustaram suas leis para esse fim, são alvos de ações de inconstitucionalidade movidas por incentivadores do tabagismo e correm risco de retrocesso. Enquanto isso, a OMS contabiliza 603 mil mortes por ano em todo o mundo devido ao tabagismo passivo, das quais 7,5 mil são de brasileiros.

É necessário que o Congresso Nacional dê especial atenção à aprovação do PL 315/08. Quem sabe o Brasil, que será sede da Copa do Mundo em 2014, possa anunciar na reunião da ONU em setembro a boa noticia de que já ajustou sua legislação para efetivamente proteger seus cidadãos e visitantes dos graves efeitos do tabagismo passivo. E com isso evitar doenças e salvar mais vidas.