Título: Ritmo do PIB exige juro alto
Autor: Latif, Zeina
Fonte: Correio Braziliense, 03/06/2011, Economia, p. 16

Entrevista - Zeina Latif

A economista do Royal Bank of Scotland assegura que o governo não tem opção para conter a inflação exceto elevar a Selic e cortar gastos

Vicente Nunes

Cotada para assumir uma diretoria do Banco Central, a economista sênior para a América Latina do Royal Bank of Scotland, Zeina Latif, garante que não há escapatória neste momento: a taxa básica de juros (Selic) terá de continuar subindo para que a inflação caminhe para o centro da meta, de 4,5%, ao longo de 2012. Na semana que vem, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para apertar mais ainda a política monetária. Zeina diz que as medidas adotadas para conter o crescimento econômico não foram suficientes para inibir a escalada de preços. E avisa: o esforço fiscal feito pelo Ministério da Fazenda nos primeiros quatro meses do ano não pode se perder ao longo do caminho, sob o risco de o país pagar caro pelo descontrole dos gastos. Para ela, só um processo longo de responsabilidade orçamentária permitirá ao BC diminuir os juros dos atuais 12% ao ano para níveis semelhantes aos do resto do mundo. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.

Por que há tantas divergências entre as previsões de inflação dos analistas e as do BC? As visões de analistas e do BC sobre o quadro inflacionário não são totalmente contrárias. Em seu último Relatório de Inflação, de março, o BC projetava 5,6% para a inflação neste ano e 4,6% no próximo, enquanto o mercado esperava 6% e 4,9%, respectivamente. As divergências não são tão significativas. Um possível motivo poderiam ser hipóteses diferentes para o comportamento dos preços internacionais, sobretudo de alimentos e de combustível. De qualquer forma, um quadro em que as projeções do mercado estão sistematicamente acima das do BC não é boa notícia. Em última instância, pode indicar menor confiança na capacidade da autoridade monetária de atingir o centro da meta de inflação (4,5%) no tempo adequado.

Alguns especialistas já falam em deflação até agosto, principalmente pela queda dos preços dos combustíveis. Não é perigoso se apegar à redução temporária dos índices? Deflação é pouco provável, mas não se pode descartá-la, uma vez que a inflação de alimentos é muito volátil e há efeitos associados ao preço do etanol. Certamente, seria precipitado se apoiar nas informações de divulgação mais frequente para a tomada de decisões. Dificilmente o BC fará isso. A tomada de decisões do banco é mais complexa e abrange um conjunto amplo de variáveis.

Os números da atividade no primeiro trimestre ainda mostram uma economia forte, com sinais de aceleração. A economia está ou não aquecida o suficiente para evitar a queda mais forte da inflação? O grau de aquecimento da economia segue elevado, ainda que muito provavelmente o aumento do consumo das famílias no primeiro trimestre tenha sido mais lento. Deverá haver crescimento próximo a 1% sobre o trimestre anterior ante 2,5% no último trimestre de 2010 (os números serão divulgados hoje). É, contudo, prematuro afirmar que está havendo forte desaceleração no consumo, pois o resultado dos três primeiros meses do ano pode refletir uma acomodação natural e temporária após os excessos do fim do ano passado, podendo o consumo retomar taxas mais robustas adiante.

A senhora acredita que a inflação deste ano ainda fechará abaixo do teto da meta definida pelo governo, de 6,5%? Assumindo comportamento benigno dos preços internacionais, é possível que o índice fique abaixo do teto da meta do BC, de 6,5%. Deve ficar em 6%. O problema é que o risco segue elevado, o que significa que a inflação pode surpreender para cima, e não para baixo. Há efeitos defasados da atividade aquecida para se materializar na inflação.

A taxa de juros de 12% anuais é suficiente para levar a inflação para o centro da meta em 2012? Mais altas dos juros básicos serão necessárias. Estamos com a economia aquecida, com baixa ociosidade na indústria e mercado de trabalho apertado ou com desemprego abaixo da taxa natural. Assim, é necessário um mix de política econômica contracionista. Quanto maior a contribuição do lado fiscal, menor esforço do lado monetário.

É possível acreditar que, no próximo ano, o BC terá um momento de trégua no combate à inflação? Há desafios importantes para o próximo ano, a começar pelo efeito da correção de dois dígitos do salário mínimo, que não apenas tem efeito fiscal perverso em todas as esferas de governo, como tem efeito inflacionário. Também haverá eleições municipais, o que poderá afetar os resultados fiscais. Mas, certamente, o tamanho do desafio de 2012 dependerá das respostas de política econômica em 2011. Quanto maior o esforço agora para trazer a inflação para a meta, mais confortável será o quadro para o ano que vem.