Título: 19 horas no escuro
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 07/06/2011, Economia, p. 10

ENERGIA

Número de apagões dispara neste ano. Tempo em que a população ficará sem luz será maior do que em 2001, quando houve o racionamento

O consumidor sofrerá em 2011 seu mais longo período sem luz ¿ cerca de 19 horas, em média. O resultado superará recordes dos dois últimos anos e será quase três horas maior do que o acumulado em 2001, ano do racionamento de energia elétrica. O que mais assusta é que os problemas se agravam apesar de o cenário atual ser o inverso do começo da década passada. Os reservatórios de hidrelétricas estão cheios como nunca e ainda há retaguarda de usinas térmicas. Para completar, o consumo está desacelerando, sobretudo na área industrial. Segundo analistas, crescentes cortes de fornecimento refletem a falta de manutenção e falhas em redes de transmissão e distribuição ¿ um desgaste a mais para a presidente Dilma Rousseff, que, quando ministra de Minas e Energia, idealizou o atual sistema.

¿Pelo menos uma cidade fica às escuras todo dia no Brasil. Este deverá ser o verdadeiro ano do apagão¿, provocou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Ele lembrou que o blecaute que deixou seis cidades do Distrito Federal sem energia por quatro horas e meia no último domingo é ¿só mais um exemplo da série de transtornos sem explicação consistente¿.

Órgão regulador do setor, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) endossa Pires. Um de seus indicadores, a Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC), aponta que a população está cada vez mais no escuro. Os brasileiros sofreram, em média, 11 cortes de energia no ano passado. Em razão disso, as distribuidoras de energia foram obrigadas a pagar R$ 360,2 milhões aos clientes para cobrir prejuízos e a demora em restabelecer os serviços. A Região Norte, onde moram 4,7% dos consumidores, recebeu R$ 114,5 milhões, quase um terço do total.

As compensações passaram a valer no começo de 2010. A Aneel decidiu trocar as multas às 61 concessionárias do país por ressarcimento aos consumidores lesados na forma de crédito na conta de luz, até dois meses depois da interrupção do fornecimento de energia. Pesou nessa decisão o apagão de 2009, que atingiu boa parte do país. As multas, porém, não inibiram a má prestação de serviço. Em 4 de fevereiro deste ano, quase 50 milhões de pessoas, em oito estados do Nordeste, ficaram no escuro.

¿O sistema elétrico, com horizonte de dez anos de planejamento, baniu o constrangimento da escassez na geração. Assim, faltas episódicas de fornecimento mostram a ausência de manutenção de um patrimônio público por parte de concessionárias, mesmo com os investimentos sendo custeados pelas caras tarifas pagas pelo consumidor¿, analisou Carlos Cavalcanti, diretor de Energia da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Para ele, não adianta a Aneel aplicar multas às empresas. ¿É preciso cobrar aplicação dos planos de gastos definidos a cada revisão tarifária¿, acrescentou.

Apesar dos enormes transtornos à população, o governo faz silêncio. Responsável por prestar contas à sociedade, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que o seu diretor-geral, Hermes Chipp, única pessoa apta a comentar o tema, não estava disponível.

Descaso O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, tentou minimizar o descaso. Segundo ele, o país deverá investir R$ 1 trilhão no setor energético de 2011 a 2020. O Plano Decenal de Energia (PDE) mostra que a maior parte (67%) desse montante virá da Petrobras. A estatal deverá destinar, no período, R$ 686 bilhões aos segmentos de petróleo e gás natural, sendo R$ 510 bilhões para a exploração. A oferta de eletricidade, por sua vez, receberá R$ 236 bilhões, sendo R$ 190 bilhões para a geração e R$ 46 bilhões para a transmissão. Com isso, Tolmasquim espera que a oferta salte dos 110 mil megawatts (MW) de dezembro último para 171 mil MW em dezembro de 2020.

Os números gigantescos não animam os analistas. Para eles, de nada adiantará jogar investimentos na ampliação da oferta de energia se não houver empenho na melhoria da distribuição. Hoje, a manutenção do sistema é falho. Por isso, o número tão grande de interrupções no fornecimento. Os transtornos só não são maiores porque o consumo está crescendo a um ritmo menor. Mas é sempre bom ter em casa um estoque de velas para possíveis problemas.

MPF quer barrar Belo Monte O Ministério Público Federal do Pará entrou ontem com nova ação para barrar a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. A alegação é de que 40% das condicionantes ambientais e sociais ainda não foram cumpridas. Na 11ª ação civil pública contra a obra, o MPF pede a suspensão da licença de instalação concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Um quinto da nova geração de eletricidade contratada no país está atrasado, revelou um relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre a construção de 539 usinas. A demora se deve à falta de licença ambiental e a problemas econômicos dos empreendedores.

Petróleo derruba lucro de aéreas A estimativa de lucro das companhias aéreas este ano foi reduzida à metade e o valor não deve passar de US$ 4 bilhões, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). A diminuição se deve ao avanço nos preços do petróleo, agravado pelos conflitos políticos no Oriente Médio e no norte da África. A nova projeção, anunciada ontem pelo diretor geral da Iata, Giovanni Bisignani, é 54% inferior aos US$ 8,6 bilhões em ganhos previstos em março. Ele alertou ainda para o risco de uma guerra comercial entre as empresas, caso a União Europeia fixe novas regras de controle de emissões de poluição em 2012. O aperto vai aumentar custos e tensões ao já pressionado setor.