Título: Para onde vai Humala?
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 07/06/2011, Mundo, p. 17

A Bolsa de Valores de Lima não esperou o fim da contagem oficial dos votos para manifestar as preocupações do setor privado com a vitória do militar nacionalista Ollanta Humala na disputa pela sucessão do presidente Alán García. O valor das ações despencou e o pregão teve de ser encerrado duas horas antes do prazo, com uma queda de 12,51%, a maior registrada na história do mercado peruano. Antes mesmo de as autoridades eleitorais anunciarem o resultado do acirrado segundo turno, Humala começou a receber cumprimentos dos governantes vizinhos, entre eles o venezuelano Hugo Chávez, que ontem visitou Brasília. Quanto ao Brasil, o virtual presidente eleito convidou Dilma Rousseff para sua posse, em 28 de julho, e anunciou que será ela a primeira a recebê-lo em visita oficial.

Acalmar os investidores quanto ao rumo que pretende imprimir à economia peruana, uma das que mais cresceram no mundo nos últimos anos, será o primeiro desafio de Humala quando assumir a presidência. Embora o Organismo Nacional Eleitoral (ONE) não tenha proclamado ainda o resultado oficial, a liderança de Humala parecia consolidada na totalização de 89% dos votos emitidos no domingo. Com 51,34%, o candidato do movimento Gana Perú abria vantagem de 2,68 pontos sobre a direitista Keiko Fujimori (48,66%), que reconheceu a derrota no início da tarde e desejou ¿sucesso¿ ao adversário.

O Peru inicia a semana em meio às incertezas sobre o novo governo, e as operações na Bolsa de Lima foram suspensas durante duas horas, logo de manhã, após uma queda de 8,71% na abertura. As ações mais atingidas foram as das empresas mineradoras: a Austral chegou a cair 17,8%, a Atacocha, 15,6% e a Volcán, 15%. Na campanha para o primeiro turno, o candidato conservador e ex-ministro de Economia Pedro Pablo Kuczynski havia advertido para problemas no setor, por causa de uma proposta de Humala de aplicar um imposto extraordinário sobre os lucros das mineradoras. Já no domingo, o arquiteto do projeto econômico do candidato esquerdista, Félix Jiménez, havia sugerido ao Banco Central da Reserva e ao ministro da Economia que tomassem medidas para evitar um caos financeiro.

Antes mesmo de concluída a apuração, aumenta a pressão sobre o vencedor para que anuncie os nomes do primeiro-ministro e do ministro da Economia. Gianfranco Castagnola, presidente da Apoyo Consultoria, uma das mais importantes do país, disse que Humala deve seguir o exemplo do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que ¿soube ganhar a confiança dos mercados ao nomear um banqueiro para o Banco Central e, para o ministério da Fazenda, uma pessoa conhecida pela ortodoxia financeira e pela austeridade fiscal¿.

As incertezas do mercado têm a ver com a imagem construída por Humala na eleição presidencial de 2006, quando recebeu apoio declarado do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Embora tenha procurado distanciar-se de Chávez e apresentar um programa moderado, inspirado no que chamou de ¿modelo brasileiro¿, o militar reformado manteve propostas de estatização e reforma da Constituição, que geram desconfianças no setor privado.

Na noite de domingo, ao declarar-se vitorioso, Humala mostrou-se conciliador no discurso que fez para milhares de partidários na Praça 3 de Maio, em Lima. Prometeu manter o crescimento econômico como ¿o grande motor do desenvolvimento social¿, num esforço de conciliar a continuidade com as promessas de campanha de diminuir as desigualdades. Disse também que convocará ¿os melhores técnicos independentes¿ para integrarem ¿um governo de base ampla, onde ninguém se sinta excluído¿. Analistas aguardam os próximos movimentos de Keiko Fujimori para avaliar como se anunciam as relações do futuro governo com a principal força de oposição.

Cumprimentos A presidente Dilma Rousseff ligou para Humala na manhã de ontem e convidou-o para vir a Brasília antes mesmo da posse. Segundo o assessor internacional do Planalto, Marco Aurélio Garcia, Dilma sentiu o vitorioso ¿muito emocionado¿ e está programando sua ida a Lima para a cerimônia de posse, em julho. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aproveitou a visita a Brasília para falar pela primeira vez sobre as eleições no Peru. ¿Já foi confirmado o triunfo e felicitamos o presidente Humala¿, afirmou.

Humala recebeu felicitações também dos presidentes do Equador, Rafael Correa, da Argentina, Cristina Fernández, e do Paraguai, Fernando Lugo. No domingo, já tinham se manifestado os governantes da Bolívia, Evo Morales, e do Chile, Sebastián Piñera. Nos Estados Unidos, o responsável pela América Latina no Departamento de Estado, Arturo Valenzuela, anunciou que o governo de Barack Obama está ¿muito disposto a trabalhar com ele (Humala), como vimos trabalhando com as autoridades do Peru¿.

Fujimori em pauta As primeiras manifestações da chapa vencedora sobre a situação do ex-presidente Alberto Fujimori, que cumpre pena de 25 anos de prisão em uma unidade policial de Lima, motivaram receios sobre o clima político no país sob o novo governo. O vice de Ollanta Humala, Omar Chehade, sugeriu que Fujimori, condenado em 2009 por corrupção e violações dos direitos humanos, deveria ser transferido para uma penitenciária comum. ¿Alberto Fujimori não está em uma prisão, está num centro de recreação da polícia, e isso não é apropriado para uma pessoa que cometeu delitos graves¿, disse Chehade à emissora América Televisión. ¿Não é apropriado tê-lo num local onde planta flores e recebe grupos musicais.¿