Título: Combate à Aids em discussão
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 09/06/2011, Saúde, p. 29

Na semana em que o início da epidemia mundial de Aids completa 30 anos, representantes da área de saúde de 134 países se reúnem em Nova York para discutir uma nova estratégia global para combater a doença. A Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre Aids, que ocorre até amanhã, vai avaliar o resultado do último acordo, feito em 2000, durante assembleia-geral da ONU, e propor novas metas de redução da transmissão, de ampliação ao acesso a tratamentos e de combate ao preconceito. Ontem, na abertura do encontro, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, fixou um prazo de 10 anos para erradicação da doença do mundo e pediu audácia para que a meta seja alcançada. ¿Hoje nos reunimos para dar fim a Aids. Esse é o nosso objetivo: o fim da Aids em 10 anos, com zero novas infecções, zero traumatismos e zero mortes ligadas à doença¿, assinalou.

Segundo especialistas, com o peso de quem tem um dos mais eficientes programas de combate à síndrome do mundo, o Brasil deve ser uma peça-chave na negociações. Apesar do avanço nos últimos anos em relação à pandemia, quando o número de novas contaminações em todo o mundo se estabilizou e houve ampliação do acesso ao tratamento, pelo menos duas questões ainda devem gerar tensão nas mesas de negociação. O primeiro deles é a quebra de patentes dos medicamentos de controle do HIV.

Em 2001, respondendo a uma demanda feita por países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, a Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou a quebra dos ¿direitos¿ em relação a fármacos de grande emergência. Com mais de 7 mil novas infecções a cada dia, a Aids tem sido enquadrada nessa categoria, posição contestada pelos países desenvolvidos, segundo os quais a quebra reduz o interesse da indústria farmacêutica de investir em pesquisas. ¿Acreditamos que, em nenhuma hipótese, o aspecto financeiro é mais importante do que a saúde. Por isso vamos defender um acesso mais democrático aos medicamentos anti-HIV¿, afirma o infectologista Dirceu Greco, diretor do Departamento de DST/Aids do Ministério da Saúde, que participa da reunião.

O outro ponto polêmico sai da esfera econômica e tem relação com o lado cultural. ¿Por razões religiosas, alguns países muçulmanos são contra qualquer menção aos grupos mais vulneráveis ¿ homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas ¿ nos documentos internacionais que norteiam as políticas de controle da doença¿, relata a representante do Programa das Nações Unidas para Aids (Unaids) no Brasil, Jaqueline Côrtes. Para essas nações, os documentos devem fazer uma menção genérica a essas populações, já que suas leis nacionais muitas vezes criminalizam a prostituição e a homoafetividade, por exemplo.

¿Defenderemos o combate ferrenho a toda e qualquer forma de preconceito, e por isso acreditamos que a simples menção a `grupos vulneráveis¿, sem a especificação de quais são esses grupos, é uma forma de marginalização a ser combatida¿, adianta Greco. O representante brasileiro acredita que, apesar das duas questões serem polêmicas, há espaço para avanços e elaboração de um acordo vantajoso para todas as partes. Segundo ele, o país vai usar o reconhecido sucesso no combate à Aids para assumir uma posição central nos debates. Jaqueline Côrtes, da Unaids, concorda que o Brasil tem respaldo internacional para ser protagonista: ¿O sucesso das políticas brasileiras credenciou o país como um especialista nessa área. Atualmente, o país conta com uma ampla rede de distribuição de medicamentos para soropositivos, o índice de contaminação por via sanguínea é próximo de zero, e a transmissão vertical (de mãe para filho) tem caído drasticamente¿.