Título: Urgência para moralizar o transporte
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Fonte: Correio Braziliense, 11/06/2011, Opinião, p. 24

O enredo não traz novidade. Reprisada ano após ano, a tragédia revive a mesma história e os mesmos personagens. De um lado, patrões e empregados se unem na luta de interesses corporativos. Cobradores e motoristas buscam elevar os salários e melhorar as condições de trabalho. Os empresários querem aumentar as tarifas, que, vale lembrar, são as mais altas do país. Em pacto mafioso, condicionam uma coisa à outra.

Assim, o trabalho se alia ao capital contra o inimigo comum ¿ a população. Elo fraco da corrente, o usuário vive com a espada de Dâmocles sobre a cabeça. Enfrenta talvez a pior frota que circula por capitais brasileiras. Ônibus velhos, que ultrapassaram o número de anos permitidos para se manterem em atividade, transitam livremente pelas vias da capital da República. Alguns chegam a inaceitáveis 12 anos. Sem manutenção, além de representarem risco à segurança do trânsito, deixam passageiros no asfalto com frequência inaceitável.

Agnelo Queiroz não pode perder a oportunidade de pôr ordem na casa há muito abandonada pelos donos reais. Mas precisa engatar a quinta marcha com determinação, porque os interesses são muitos e o negócio, milionário. A primeira medida é retomar o gerenciamento do sistema, há pelo menos 10 anos nas mãos dos empresários. Em português claro: impõe-se controlar a bilhetagem.

Vive-se aqui situação kafkiana. Embora o transporte público seja concessão e, portanto, de propriedade do Estado, os concessionários têm o controle da planilha. Só eles sabem quanto arrecadam e quanto gastam efetivamente. Mais: o GDF não pode abdicar de suas obrigações. Cabe a ele regulamentar o serviço ¿ determinar a quantidade e distribuição de linhas, os horários e a periodicidade dos veículos, informações que hoje constituem verdadeira caixa-preta, tanto para as autoridades quanto para os usuários.

Outra medida inadiável é a integração do sistema. Alardeada por candidatos e governantes, a iniciativa só existe nos adesivos das laterais dos ônibus. Embora existam as condições objetivas para harmonização dos trajetos, estranha ou criminosamente ela não se concretiza. Os ônibus estão nas pistas; o metrô, nos trilhos; a faixa exclusiva da Linha Verde, pronta, mas a implantação mantém-se inexplicavelmente emperrada.

São 36 anos sem planejamento. Esse é o tempo do único Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) pensado e colocado em prática no DF. A capital da República não pode mais esperar por uma remodelação completa do sistema. Transporte público é um serviço básico, que deve garantir a mobilidade da população, não um mero negócio.