Título: Criança não trabalha
Autor: Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 13/06/2011, Economia, p. 9

Mais de quatro milhões de brasileirinhos despertam cedo todos os dias para garantir a sua sobrevivência. Com o cansaço da labuta, os estudos ficam em segundo, terceiro ou nenhum plano. Em reportagens publicadas no último fim de semana, o Correio mostrou a rotina dos pequenos que trabalham bem debaixo do nariz daqueles que têm o poder de mudar essa realidade.

No Plano Piloto, onde está situado o comando do país, parando em um semáforo, foi possível encontrar o garoto Lucas* pedindo esmolas ¿ trabalho que é acompanhado pela mãe dele à distância. Mãe e filho são de Planaltina, satélite para a qual o GDF não encaminhou qualquer caso de criança trabalhadora em 2011, segundo informou o Conselho Tutelar. Na Cidade Estrutural, a reportagem deparou-se com Vitória*. Com apenas sete anos, ela tem as mãos machucadas por revirar diariamente o lixo atrás de ferragens para vender a uma cooperativa.

Em comum, eles têm a pobreza. Os dados preliminares do Censo 2010, apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mostraram que há muito mais Lucas e Vitórias no país do que se poderia imaginar. Entre os extremamente pobres, mais da metade (50,9%) encontra-se em idades até 19 anos. Os menores são de famílias com rendimento nominal mensal de até R$ 70,00 per capita. São essas as crianças às quais não conseguiu chegar o mesmo Estado que elevou 30 milhões de brasileiros à classe média.

Paradoxalmente, em relatório divulgado na última sexta-feira, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) elogiou o modelo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e ressaltou o fato de ele estar sendo, inclusive, exportado para outros países. O principal êxito, acredita a OIT, está no Bolsa Família.

Mas, se as políticas públicas brasileiras servem de farol em nível mundial, por que ainda existem 4,2 milhões de crianças trabalhando no país? Para o coordenador do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil para a OIT no Brasil, Renato Mendes, o problema está na distância entre o desenvolvimento dos projetos em nível federal e a aplicação deles por estados e municípios.

Invisibilidade O DF é um caso emblemático. No Plano Piloto, as crianças que vêm das satélites e do Entorno trabalham vendendo doces nos sinais de trânsito e nos bares; catando lixo para reciclagem; e como domésticas nas casas de família que somam o segundo maior Produto Interno Bruto per capita do país. Mas elas parecem invisíveis aos olhos das autoridades responsáveis. Os que trabalham na Esplanada dos Ministérios as consideram problema local. O GDF, por sua vez, não se esforça para incluí-las em programas sociais porque elas residem fora do Plano Piloto. E, para as satélites e o Entorno, fica fácil fazer vista grossa, já que as atividades laborais acontecem em Brasília.

A falta de articulação entre as instâncias federal, estadual e municipal somada à ausência de um projeto consistente de educação em tempo integral constituem o principal empecilho para que o país deixe para trás a realidade do trabalho infantil. E não é apenas o futuro dessas crianças que está em jogo, é também o do país. Não é à toa que dez em cada dez empresários apontam o problema educacional como um dos principais empecilhos aos investimentos.

Como bem disseram os compositores Arnaldo Antunes e Paulo Tatit no refrão da música que ficou conhecida de pais e filhos nas vozes dos integrantes do premiado grupo Palavra Cantada, Criança não trabalha, criança dá trabalho. Sim, senhores governantes, criança dá trabalho mesmo, mas nada que não se resolva com um pouco mais de vontade política. Se os adultos fizerem a sua parte, elas não mais precisarão trabalhar.

* Nomes fictícios Mariana Mainenti é subeditora de Economia