Título: À espera de retaliações
Autor: Ricupero, Rubens
Fonte: Correio Braziliense, 12/06/2011, Economia, p. 15

Entrevista - Rubens Ricupero O ex-ministro da Fazenda critica a decisão do governo de barrar importações, o que pode gerar um contra-ataque dos países prejudicados Rosana Hessel

O embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), vê um duplo inconveniente na decisão do governo de barrar importações. Primeiro, ela distrai as atenções da equipe econômica dos verdadeiros desafios que devem ser atacados para dar mais competitividade aos produtos brasileiros. Os esforços deveriam ser direcionados à redução da dívida interna para que os juros caíssem de ¿forma contínua e não artificial¿, abrindo espaço para um ¿câmbio mais normal¿. O segundo inconveniente é que a medida põe o Brasil na linha de tiro de retaliações dos demais países. A seguir, os principais trechos da entrevista do ex-ministro e atual diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) ao Correio.

Desde a crise financeira, a influência dos principais atores da economia global tem sofrido alterações. Como o senhor avalia essas mudanças? O momento atual é penoso porque há uma transição que ainda não se completou e os grandes centros emergentes, como a China, a Índia e o Brasil, ainda não chegaram àquele ponto em que podem de fato assumir certas responsabilidades. A China, em relação a problemas muito graves como o do aquecimento global, ainda tende a seguir uma política de interesse mais nacional do que internacional. De certa forma, o Brasil, por ser menos dependente do carvão, pode avançar mais em aceitar metas que não sejam puramente voluntárias. Esse período de indefinição é complicado porque não há mais aquele país que liderava nitidamente, como eram os Estados Unidos.

A Rodada Doha de liberalização do comércio está completando 10 anos. Diante do aumento do protecionismo após a crise, há chance de ela ser concluída? Muita gente já está escrevendo o epitáfio da rodada. Duas oportunidades para fechar Doha foram perdidas. A última foi em julho de 2008, antes da crise financeira. Agora, é muito difícil. Os europeus têm problemas e os que não superaram a crise ainda estão muito defensivos. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, desde que se elegeu, nunca demonstrou muito entusiasmo por acordos comerciais. No Brasil, houve aquela tentativa de retomar as negociações com a União Europeia, mas no momento em que os argentinos se desinteressaram e tudo parou de novo. Estamos em um momento muito pouco propício a avanços. Resistir ao protecionismo já é quase uma façanha.

O contencioso com a Argentina em torno dos produtos barrados na fronteira dificulta ainda mais qualquer avanço? Ele mostra que o Mercosul, depois de tantos anos de existência, ainda não foi capaz de criar mecanismos eficazes de solução de litígios. É uma falha gigantesca. Um programa tão ambicioso sem esse sistema está muito atrasado. Nunca se viu uma iniciativa do Brasil, como parceiro maior, para tentar revitalizar o bloco. O que é estranho, pois os problemas existem para ser solucionados.

O que o senhor achou da decisão do governo de impor barreiras às importações de vários países? A licença em relação a todos é um sistema inadequado. Não é por aí que se vai resolver o problema do câmbio. Nem da nossa perda de competitividade. Acho até perigoso, porque pode motivar retaliações contra o Brasil. Esse tipo de coisa permite sobreviver, mas não esperar um futuro brilhante para o comércio exterior brasileiro. Estamos nos dispersando de enfrentar as questões sistêmicas, como os pesos dos impostos e do custo do capital, os problemas da infraestrutura e do câmbio.

Como o Brasil pode evitar esse tipo de retaliação e minimizar os problemas atuais da economia? A questão tem que ser resolvida pela política econômica. Precisamos implementar uma política que reduza a dívida interna, que faça cair os juros brasileiros de uma maneira contínua e não artificial, desestimulando o ingresso de capital que venham em busca de ganhos de arbitragem e tendo um câmbio mais normal. Acho que não há outro caminho a não ser o difícil, que é o do ajuste econômico. O problema é que o governo quer perseguir muitos objetivos ao mesmo tempo. É difícil reduzir a inflação, manter o ritmo de crescimento, segurar o crédito em expansão e manter os investimentos públicos.

Enfrentar as questões sistêmicas que o senhor apontou é um bom desafio para a presidente Dilma Rousseff? É o desafio. A situação ficou mais complicada porque ela não só herdou uma deterioração das contas públicas mas também um cenário externo mais ingrato. O governo anterior sabia, desde o último trimestre de 2009, que a economia estava crescendo vigorosamente. Portanto, não precisava ter mantido os incentivos por mais um ano e três meses. Fez isso porque quis garantir aquele ambiente de euforia das eleições. E deu certo do ponto de vista do projeto político.