Título: Disparam as queixas dos serviços de TV por assinatura
Autor: Braga, Gustavo Henrique
Fonte: Correio Braziliense, 12/06/2011, Economia, p. 16

Seu bolso Reclamações recebidas pela Anatel já cresceram 30,5% este ano. Saída pode estar no aumento da concorrência

As queixas contra prestadoras de tevê por assinatura dispararam nos primeiros quatro meses deste ano. De janeiro a abril, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) recebeu 30.858 reclamações contra o serviço, o que equivale a 257 por dia, ou 30,5% a mais do que as 23.638 registradas em mesmo período de 2010. Os principais motivos para a insatisfação dos usuários são irregularidades na cobrança, em reparos, na instalação e no cancelamento. Entidades de defesa do consumidor e analistas afirmam que tamanho transtorno é fruto da baixíssima concorrência dentro desse segmento de mercado. Em um universo de pouco mais de 10 milhões de usuários, 82% deles estão nas mãos de apenas três grupos: Net, Embratel e Sky/Directv. Só a Net, maior dos três, detém, sozinha, uma fatia de 41,5% do total.

Com poucas opções, a estudante Ághata Ferreira de Sousa, 29 anos, é assinante de um pacote que inclui tevê a cabo, telefone e internet, mas está revoltada com o mau atendimento da prestadora. Há cerca de um mês, ela mudou de endereço e precisou que a Net instalasse o serviço na casa nova. ¿Ficou agendado que a visita do técnico ocorreria entre 12h e 18h, mas ele só apareceu às 20h¿, relata. ¿Devido ao horário avançado, ele fez o serviço às pressas e, ao ligar os aparelhos, não se deu conta de que estavam selecionados em 110 volts. Como a tomada é 220 volts, queimou tudo¿, emenda. Ághata afirma que, desde então, foram feitos diversos contatos com a empresa mas, até hoje, apenas duas fontes foram trocadas, enquanto um telefone sem fio continua estragado.

Após ser procurada pelo Correio, a Net informou ter entrado em contato com Ághata para solucionar o problema, o que foi confirmado pela estudante. Em nota, a empresa ressaltou que o caso ¿é pontual, uma vez que o técnico fez um procedimento extraprotocolar, a pedido da cliente¿.

Em uma tentativa de ampliar a competição no setor e, consequentemente, melhorar e baratear o serviço, a Anatel aprovou, no último dia 2, uma atualização de regulamento para permitir a entrada de novos concorrentes. A proposta fica aberta a consulta pública até 16 de julho, mas está longe de solucionar a briga entre prestadoras e consumidores. De um lado, a Net alega que a regra fere pontos da Lei Geral de Comunicações (LGT), do outro, a Oi ¿ praticamente única beneficiada pela medida ¿ comemora a possibilidade de entrar nesse mercado.

No meio do fogo cruzado entre reguladores e empresas, o consumidor continua a sofrer com um serviço caro e de baixa qualidade. Dados encomendados pela Oi e elaborados pela consultoria LCA mostram que apenas 8,4% dos municípios brasileiros têm acesso ao serviço de tevê paga, enquanto tecnologias semelhantes, como a telefonia móvel, por exemplo, chegam a 99,6% da população. Na avaliação da coordenadora-institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci, mesmo quando for aprovado, o regulamento da Anatel será insuficiente para permitir a entrada em quantidade razoável de novos concorrentes. ¿É preciso um facilitador para que as pequenas empresas consigam entrar nesse mercado. Da maneira como está, a competição continuará limitada e o serviço, ruim¿, diz.

Inês destaca que a tevê por assinatura está na segunda posição do ranking de reclamações feito pela Proteste no ano passado, à frente de segmentos como telefonia fixa, serviços financeiros e varejo e atrás apenas da telefonia celular. ¿A concorrência é fundamental para qualquer setor, porque ela sempre vem acompanhada de queda nos preços e melhoria do atendimento¿, argumenta. Atualmente, o serviço é prestado, em 96,6% dos contratos, por dois tipos de tecnologia: cabo e satélite (DHT). Especificamente para a prestação do serviço via cabo, estão atualmente nas gavetas da Anatel mais de mil pedidos para concessão de outorga. O problema é que, desde 2001, não foi concedida licença sequer para a exploração dessa modalidade, de forma que a Net atua nesse segmento há quase 10 anos praticamente sozinha.

André Borges, vice-presidente jurídico e de relações institucionais da Net, rebate que, na prática, a concorrência se dá na medida em que as demais prestadoras oferecem tevê via satélite, que é outra tecnologia, mas o mesmo serviço. No entender dele, as rivais já têm infraestrutura suficiente para serem competitivas no mercado. ¿Na verdade, elas contam até com mais facilidade, porque ao operar via DTH (satélite) podem ter participação majoritária de capital estrangeiro na composição da empresa, enquanto somos restritos ao capital brasileiro¿, afirma Borges. O executivo ressalta ainda a necessidade de tratamento regulatório igualitário para as diferentes tecnologias como forma de equilibrar o setor.

A Anatel garante que a mudança em consulta pública, quando aprovada, permitirá que qualquer interessado entre no mercado de tevê a cabo, ¿desde que se enquadre dentro das regras estipuladas pela agência¿. O centro do debate é que, entre essas regras, está a obrigatoriedade de a empresa entrante ter majoritariamente capital brasileiro. A Telefônica considera que, nesse cenário, o principal prejudicado é o consumidor, na medida em que, ¿sem concorrência, encontra menos opções de serviços e menos variação de preços¿.

Paulo Mattos, diretor de regulamento da Oi, diz que um dos principais benefícios trazidos pela nova regra será a possibilidade de outras empresas oferecerem o chamado combo, que inclui tevê, voz e internet, a partir do mesmo cabo de fibra óptica, de forma a baratear os custos, assim como a Net está licenciada para fazer. ¿Sem autorização para atuar na tevê a cabo, só podemos fazer o combo com tevê via satélite, que é muito mais difícil e caro¿, explica.

Senado discute abertura » A restrição ao capital estrangeiro exclui, automaticamente, a possibilidade de GVT (controlada por investidores franceses), Telefônica (controlada por espanhóis), e Embratel (controlada por mexicanos), entrarem nesse nicho. Assim, a Oi sobra como a única operadora qualificada para concorrer com a Net, nos moldes como o regulamento foi proposto. Um projeto em discussão no Senado conhecido como PLC 116 prevê o fim dessa limitação de forma a abrir as portas para que as principais operadoras entrem no serviço de cabo. Por enquanto não há consenso em relação ao PLC, mas há grande expectativa que sua aprovação ocorra ainda este ano.