Título: Um pedido de pensão alimentícia por hora
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 12/06/2011, Cidades, p. 32/33

JUSTIÇA Só nos primeiros cinco meses do ano chegaram 3.787 ações às varas de família do Distrito Federal. Aumentos na quantidade de divórcio e mudanças na sociedade contribuem para o crescimento no número de processos

Um dos assuntos mais delicados na área do direito civil é a cobrança de pensão alimentícia. As discussões em torno do tema costumam envolver problemas como relacionamentos frustrados, a criação de novas famílias, a divisão de bens do casal e, principalmente, a definição do destino dos filhos. Com o aumento dos casos de divórcio, o número de processos que chegam às varas de família não para de crescer. No Distrito Federal, foram 3.787 ações de janeiro a maio deste ano, o que representa 24 processos por dia ¿ ou um por hora. Além do aumento de ações, a Justiça tem de enfrentar um novo desafio: as mudanças na sociedade trouxeram situações inéditas para as mãos dos juizes.

O Código Civil, aprovado em 2002, reafirmou a igualdade entre homens e mulheres e permitiu que ex-maridos pedissem pensão alimentícia às ex-mulheres depois da separação. Apesar de raros nos tribunais, possivelmente pelo machismo que existe no Brasil, esses casos começam a surgir em meio às pilhas de processo das varas de família. Outra novidade que vai suscitar discussões entre magistrados é a união estável entre pessoas do mesmo sexo ¿ aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês passado. A partir de agora, homossexuais também poderão pedir alimentos aos antigos companheiros, caso comprovem a incapacidade para o sustento. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ainda não houve pedidos de pensão para tais casos.

Uma das evoluções mais recentes da legislação veio em 2008, quando foi sancionada a Lei nº 11.804/08, que prevê a concessão dos chamados alimentos gravídicos. Pela norma, uma mulher gestante tem o direito de pedir a pensão ao suposto pai da criança para se manter durante a gravidez. Com os recursos recebidos, ela pode pagar por alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames, internações, além de custear o parto.

Grávidas A concessão, porém, não é comum, porque normalmente envolve questionamentos acerca da paternidade. A grávida tem de apresentar provas ou indícios de que o homem alvo da ação é mesmo o pai da criança. ¿Servem fotos, mensagens ou testemunhos de amigos e de conhecidos. Mas a produção de prova é complicada, trata-se de uma discussão muito subjetiva¿, comenta a juíza da 3ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do DF, Graziela Dantas. ¿Se concedidos durante a gestação, esses alimentos gravídicos se tornam definitivos para a criança e só são suspensos caso o suposto pai descarte a paternidade com exames¿, acrescenta a magistrada.

A bacharel em direito Gabriela Borges Barreto, 24 anos, se arrepende de não ter recorrido à Justiça para pedir a pensão ainda durante a gravidez de Pedro, 3 anos. Ela teve um namoro rápido com o pai do menino mas, quando descobriu a gestação, o casal não estava mais junto. À época, a legislação que autoriza o pedido de pensão para grávidas estava em vigor, mas ela teve receio de que a atitude complicasse a relação com o pai do bebê. ¿Me arrependi, porque acho que o processo teria sido mais fácil e mais rápido¿, avalia. Hoje, a jovem trava uma demorada e sofrida batalha na Justiça para conseguir a pensão justa para o filho. Ela entrou com uma ação de alimentos há dois anos e meio mas, com sucessivos recursos, ainda não houve sentença. Segundo Gabriela, o menino recebe apenas R$ 300 por mês ¿ valor muito aquém das necessidades de Pedro, que estuda em uma renomada escola particular do Sudoeste. ¿Meu pai hoje arca com todas as despesas do meu filho, o que eu não acho justo. Estou estudando para concurso e não trabalho. O processo está demorando muito, nunca vi tanto recurso¿, reclama a bacharel em direito. ¿É muita humilhação, mas só faço isso porque é para o bem do meu filho¿, finaliza.

Regras O pagamento de pensão alimentar é possível entre parentes ou em casos de casamentos ou uniões estáveis rompidas. Quando se trata de filhos menores de 18 anos, a necessidade é presumida, ou seja, os pais precisam garantir o sustento dos filhos. Assim, quem não tem a guarda deve ajudar a arcar com os custos da criança ou do adolescente sob a responsabilidade do antigo cônjuge. Mas, mesmo depois da maioridade, a obrigação não se extingue: os juizes normalmente autorizam o pagamento de pensão a jovens entre 18 e 24 anos, para que eles estudem.

No caso de ex-maridos e de ex-mulheres, a necessidade de pagamento de pensão não é imediata. Quem pleiteia esse benefício tem de provar à Justiça que precisa da ajuda financeira e só receberá o apoio caso o antigo cônjuge tenha possibilidade de pagar esses valores. ¿É preciso observar a proporcionalidade, ou seja, não adianta uma das pessoas ter um padrão de vida alto e exigir que o outro mantenha isso, se ele não tiver condições de pagar¿, explica a advogada Eliene Bastos, especialista em direito de família. Ela é presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família na Região Centro-Oeste.

Para Eliene, a pensão é importante para mostrar que as pessoas não são ¿descartáveis¿. Ela lembra que existem dois tipos de alimentos, os naturais e os civis. ¿Os primeiros são aqueles indispensáveis para a sobrevivência, como os recursos para pagamento de alimentação e moradia. Os civis são os necessários para manter o padrão de vida de quem recebe e são destinados ao pagamento de atividades de lazer, esportivas ou para uma instrução complementar¿, explica Eliene. ¿Isso é muito novo, mas é justo. Antes, falava-se apenas em pagar o básico para a sobrevivência. A solidariedade tem que permanecer, afinal as pessoas não são descartáveis¿, acrescenta. ¿Entretanto, a apresentação das necessidades deve ser plausível. Ninguém vai sustentar o ócio¿, finaliza a especialista.