Título: Saúde em caixinhas
Autor: Mussolini, Nelson
Fonte: Correio Braziliense, 15/06/2011, Opinião, p. 13

Vice-presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) e conselheiro titular do Conselho Nacional de Saúde (CNS)

Trinta anos após a surgimento da Aids, o mundo comemora um fato inédito. O número de contaminações e de mortes pelo vírus HIV está em queda constante, segundo dados recentes divulgados pela Unaids, o programa conjunto das Nações Unidas (ONU) sobre HIV/Aids.

Pelo menos 56 países ¿ inclusive o Brasil ¿ conseguiram estabilizar ou reduzir o número de novas infecções em 25% na última década. As mortes caíram 20% desde 2006. A disseminação dos medicamentos antirretrovirais e dos programas de esclarecimento e prevenção são os principais fatores apontados para a melhoria do quadro.

Essa notícia auspiciosa é um marco da luta contra uma epidemia que acomete 34 milhões de pessoas e já matou quase 30 milhões em todo o planeta, representando uma vitória para os cientistas, autoridades sanitárias, ONGs e a indústria farmacêutica, que travam essa longa batalha contra um inimigo complexo e mutante.

O cenário do combate à Aids começou a mudar em 1987, com a aprovação do primeiro medicamento eficaz para o combate da doença: o AZT (zidovudina). A partir daí, o axioma ¿Aids mata¿ foi substituído por ¿Aids tem tratamento¿.

Até então, nenhum tratamento tinha sido capaz de deter a enfermidade. Os infectados morriam num ciclo sumário que durava poucos meses após o diagnóstico.

O avanço mais significativo ocorreu em meados da década de 1990, com o advento do coquetel de medicamentos antirretrovirais, que mudou a história da Aids, transformando-a em doença crônica e tornando ilimitada a expectativa de vida dos soropositivos.

No Brasil, foram registrados desde 1980 cerca de 600 mil portadores de HIV. Desses, 210 mil recebem atualmente tratamento pelo Programa Nacional de DST e Aids ¿ considerado modelo internacional. Graças aos antirretrovirais desenvolvidos pela indústria farmacêutica, esse enorme contingente de pessoas pode levar uma vida normal e produtiva, com benefícios sociais e econômicos evidentes para o país.

Hoje, os soropositivos e aqueles em que a doença já se manifestou permanecem como membros ativos da comunidade, trabalham, geram riquezas e pagam impostos que, na prática, cobrem os custos de tratamento.

Não há como negar que o coquetel de medicamentos antirretrovirais reduz o gasto do Estado, ao dispensar internações hospitalares e outros procedimentos terapêuticos. Estudiosos estimam que o programa nacional de tratamento da Aids gerou uma economia superior a US$ 2 bilhões no período de 1997 a 2003, nesse quesito. É o que os economistas chamam de ação custo-efetiva.

Outro aspecto relevante é que a contínua redução de preços dos antirretrovirais permitiu estender o tratamento a milhões de pessoas.

No Brasil, o gasto individual do tratamento diminuiu 24% desde 2003, segundo cálculos do Ministério da Saúde. Desde o início do programa público de distribuição universal de medicamentos antirretrovirais, o custo per capita do tratamento caiu pela metade.

Alguns fatores explicam esse fato: os preços cada vez menores resultantes do aumento da escala de produção e da amortização dos investimentos em pesquisa; a chegada dos antirretrovirais genéricos; os acordos de fornecimento, licenciamento e transferência de tecnologia firmados com a indústria farmacêutica.

Nos países mais pobres, especialmente na África ¿ região que concentra 88% dos portadores de HIV no mundo ¿, a indústria farmacêutica desenvolve programas de fornecimento gratuito de medicamentos em parceria com ONGs, fundos internacionais e governos.

Enquanto a cura definitiva da Aids não vem, novos medicamentos estão sendo pesquisados e testados pelos laboratórios.

No ano passado, pela primeira vez uma vacina mostrou-se parcialmente eficaz. Em artigo publicado em maio na revista Nature, o pesquisador italiano Rino Rappuolli e seu colega norte-americano Alan Aderem afirmam que, em 10 anos, será possível desenvolver vacinas contra Aids, malária e tuberculose.

O desafio é permanente. As ações de prevenção precisam ser estendidas e fortalecidas. Mas os progressos dos últimos 15 anos, que resultaram na estabilização da epidemia e seus efeitos, propiciando uma vida longa e de qualidade para os soropositivos, resultam num balanço positivo da ampla mobilização global em torno do combate à Aids. Esforço do qual a indústria farmacêutica participa desde o início de forma ativa, ética e responsável. Pois seu negócio é vender saúde em caixinhas.