Título: País precisa aplicar, não endurecer leis
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Fonte: Correio Braziliense, 16/06/2011, Opinião, p. 26

Sempre que a criminalidade aumenta e, com ela, a sensação de insegurança, volta o debate sobre o endurecimento das leis. É falsa a premissa. A legislação precisa é ser cumprida com o devido rigor. A começar por acabar com a ociosidade nas prisões. A ordem é para que condenados trabalhem ou estudem. Quando tal acontece, a reincidência cai em 48% no primeiro caso e em 39% no segundo. Não são índices desprezíveis.

Mas a norma no país é despejar criminosos em celas superlotadas, em condições desumanas. Em vez de ressocializar, o sistema brutaliza marginais. E, com frequência estarrecedora, os devolve às ruas sem séria avaliação de risco para a sociedade. Facínoras são liberados, por exemplo, para passar o Natal em casa e, obviamente, não retornam ¿ a não ser para a vida pregressa pela qual foram postos atrás das grades.

Nessas falhas está a origem do horror por que passou a família feita refém na manhã de terça-feira na 711 Sul. Num pesadelo que durou seis horas, uma senhora, as duas filhas, o namorado de uma delas e uma visita ficaram sob as miras de um revólver .38, enquanto os dois algozes consumiam maconha e cocaína. Do lado de fora, cerco montado por 80 policiais era transmitido país afora por emissoras de tevê, dando a dimensão do perigo. Um dos criminosos, condenado a 28 anos de prisão, com antecedentes de roubo qualificado e homicídio, estava livre desde maio do ano passado, beneficiado por um saidão. O outro, em liberdade condicional havia cerca de dois meses, tem na ficha criminal registros por porte de armas, roubo e lesão corporal. Dificilmente seria outra a resposta de ambos à indulgência que receberam das autoridades.

Como também não foi outra a de Elizeu Felício de Souza, o Zeu, que, em 2002, matou o jornalista Tim Lopes com exacerbada crueldade, para citar caso emblemático, de imensa repercussão nacional. Depois de cumprir cinco anos e 25 dias de uma pena de 23 anos e seis meses, o homicida passou ao regime semiaberto. Já no primeiro dia, evadiu-se.

Três anos depois, aparecia, em reportagem na tevê, comandando o tráfico em uma favela carioca, em meio a bandidos fortemente armados, espalhando o terror, com o uso de violência contra moradores, venda de drogas e exploração de caça-níqueis, máquinas proibidas no país. Numa cena gravada em vídeo, Zeu foi flagrado numa moto, com fuzil a tiracolo e pistola na cintura. Era o retrato do que dá colocar fora da custódia prisional condenado de alta periculosidade. Seria o suficiente para pôr fim à benevolência com que são tratados alguns celerados. Mas a prática segue generalizada.

Se o Estado não controla minimamente os bandidos que consegue prender, o que dizer dos que são alvo de milhares de mandados de prisão não cumpridos? A responsabilidade pela crescente violência urbana exige respostas mais rápidas e eficientes. É fato que o Conselho Nacional de Justiça tem dado boa colaboração, com mutirões de triagem nos presídios e outras medidas. Mas é pouco, as falhas persistem, o quadro se agrava. O país tem a terceira maior população carcerária do mundo.

Não pode negligenciar os cuidados, seja para garantir condições dignas aos condenados, seja para aplicar com apuro a progressão de regime e os indultos. Em suma: lei é para ser cumprida. E o único sentido da cadeia é a ressocialização. Perder o foco é multiplicar marginais. E desperdiçar dinheiro público.