Título: Primavera árabe navega na incerteza
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 16/06/2011, Mundo, p. 29

Movimentos pela democracia completam seis meses diante dos desafios da transição

A revolta popular em países do Oriente Médio e Norte da África completa seis meses amanhã somando vitórias, mas com enormes desafios pela frente. Em 17 de dezembro de 2010, um vendedor ambulante na Tunísia ateou fogo ao próprio corpo para protestar contra o governo. O ato desencadeou uma onda de manifestações que ficou conhecida como "Primavera árabe". No país onde tudo começou, assim como no Egito, o regime foi derrubado, mas a transição segue incerta. Nas demais nações, a luta por melhorias econômicas e mudanças democráticas esbarra na repressão violenta. A Líbia mergulhou na guerra civil, com intervenção militar estrangeira.

Os manifestantes enfrentam reação de força desproporcional na Síria, no Iêmen e no Barein. Um relatório divulgado ontem pelo escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas denunciou as forças de segurança sírias pela prática de execuções sumárias, prisões em massa e tortura.

O especialista Márcio Scalércio, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), autor do livro Oriente Médio, analisa que a situação na Síria está estagnada. "Não há notícia de que os opositores tenham assumido o controle de cidades ou regiões", afirmou, em entrevista ao Correio. Ainda ontem, o regime de Damasco lançou uma ofensiva midiática e apresentou à imprensa o que seria uma segunda vala comum na cidade de Jisr al-Shoghour, tomada pelo Exército no domingo. Segundo as autoridades, os corpos encontrados seriam de militares e policiais mortos por "grupos armados", que teriam causado 120 baixas às tropas no último dia 5. Os moradores abandonaram a cidade, e muitos buscaram refúgio na Turquia.

No Iêmen, o temor é de que o país se afunde em uma anarquia, como a Somália, segundo afirmou Antoine Basbous, do Observatório dos Países Árabes (OPA), em Paris, em entrevista à agência France-Presse. O presidente Ali Abdullah Saleh está hospitalizado em Riad, após ser ferido em um ataque, enquanto o regime se desintegra. Márcio Scalércio acrescenta que o país tem complicadores adicionais: disputas entre a região do sul e o poder central, herdadas do tempo da Guerra Fria, tensões entre muçulmanos sunitas e xiitas e uma forte presença da rede terrorista Al-Qaeda.

A Líbia apresenta um quadro distinto, na avaliação do professor da PUC-RJ. A revolta contra Muamar Kadafi degenerou em guerra civil e abriu caminho para uma intervenção internacional. "O que tem ficado claro é que o regime de Kadafi é osso duro de roer, porque a intervenção já se dá há algum tempo e ele continua resistindo", afirmou.

Força pacífica Egito e Tunísia derrubaram autocracias, mas os contornos dos novos regimes continuam indefinidos. O importante, segundo Scalércio, é que esses países cumpram os cronogramas para a formação de partidos políticos e para a realização de eleições presidenciais e legislativas. De qualquer maneira, na sua opinião, todos os movimentos precisam ser apoiados pela comunidade internacional, já que se trata de populações buscando melhores condições de vida e confrontando governos ditatoriais de maneira pacífica ¿ em nada semelhante à atuação de organizações como a Al-Qaeda. "São muito parecidos com os brasileiros quando protestavam contra a ditadura", compara. "Não vejo por que não serem saudados com otimismo e apoio."

Oposição questiona atuação dos EUA A Casa Branca anunciou ontem que enviará ao Congresso a documentação necessária para atestar que o presidente Barack Obama não excedeu seus poderes quando comprometeu os EUA na intervenção militar contra Muamar Kadafi. Na véspera, o presidente da Câmara dos Deputados, o oposicionista John Boehner, tinha notificado Obama de que dependeria de autorização do Legislativo para que as forças americanas continuem participando da operação.