Um dia após o anúncio do acordo costurado entre governo e oposição, incluindo o aval de tucanos, para proteger, no âmbito da CPI mista da Petrobras, políticos envolvidos no esquema criminoso instalado na estatal, ninguém quis ser o pai da criança. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), reagiu indignado, e o relator do colegiado, deputado Marco Maia (PT-RS), disse que "não era bem assim". O acerto para não convocar políticos foi fechado enquanto Aécio cobrava, na tribuna do Senado, investigação rigorosa até o fim, o que irritou o parlamentar. "O PSDB não pactua com qualquer tipo de acordo que impeça o avanço das investigações da CPMI da Petrobras", afirmou, em nota, o político mineiro. 

No mesmo comunicado, a legenda destaca que é preciso responsabilizar todos aqueles que participaram das irregularidades. "Lutamos pela instalação da CPMI. Temos de ir a fundo na apuração do chamado petrolão e na responsabilização de todos que cometeram eventuais crimes, independentemente da filiação partidária. Essa é a posição inarredável do PSDB", diz a nota. 

Na manhã de ontem, o deputado Marco Maia afirmou que o entendimento para blindar os políticos envolvidos no esquema da estatal contou com o aval de todos os partidos. "É importante esclarecer que não foi isso que foi dito ontem (anteontem). O que fizemos de fato foi um acordo, um entendimento para os procedimentos e o funcionamento da CPMI até o fim. O que nós acordamos foi aquilo que era possível ser realizado de oitiva até o fim da CPMI. Não há, em absoluto, nenhum entendimento e nenhum acordo nem para votação do relatório nem para inocentar alguém ou deixar de investigar aquele partido ou político", afirmou Marco Maia. 

Em entrevista à rádio Estadão, Aécio lembrou que a CPI mista só foi instalada após ele e um grupo da oposição recorrerem ao Supremo Tribunal Federal (STF). "Na verdade, nós temos uma minoria, do ponto de vista numérico, pouco expressiva na CPMI. O governo é que define as oitivas, quem são as pessoas a serem chamadas. Eu não participei dessas reuniões. Mas, no que depender de mim - e se não for possível chamar ainda este ano -, que isso seja feito a partir do início do ano que vem", declarou. 

O acordão já começou a valer na sessão da CPI mista ocorrida na quarta-feira. Dos 497 requerimentos que esperavam apreciação, apenas foram analisados os convites e as convocações que não enfrentam resistência por parte de nenhum partido. Havia requerimentos que pediam depoimentos da presidente Dilma Rousseff; do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Comunicações); do ex-ministro Antonio Palocci; dos senadores Aécio Neves (PSDB), Alvaro Dias (PSDB) e Gleisi Hoffmann (PT); e dos tesoureiros do PSDB Rodrigo de Castro e José Gregori, e do PT, João Vaccari Neto. 

O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que representava a legenda na reunião que decidiu a blindagem, chegou a confirmar o acerto para a imprensa. Ontem, após a crise gerada internamente no ninho tucano, classificou como "vergonhosa" a citação de seu nome como partícipe de um acordo para proteger quem quer que seja, negando qualquer articulação para beneficiar agentes políticos. 

Nota 
Os líderes das siglas oposicionistas divulgaram nota para rechaçar o acordo firmado um dia antes. Assinado pelos deputados Antônio Imbassahy (PSDB-BA), Mendonça Filho (DEM-PE), Fernando Francischini (SDD-PR) e Rubens Bueno (PPS-PR), o comunicado atestou que as legendas de oposição não compactuam com a impunidade e, por isso, já se mobilizam para a instalação de uma nova CPI mista no próximo ano. "A expectativa da oposição é de que a nova CPMI seja a primeira a ser instalada no início da próxima legislatura. Todos os agentes políticos vinculados ao escândalo de corrupção na empresa devem ser não apenas ouvidos, como punidos se comprovado seu envolvimento no caso, independentemente da filiação partidária." 
Colaborou Naira Trindade 

O esquema da propina 
Confira como funcionava o sistema armado para desviar recursos da Petrobras, segundo o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa 

- Grande empreiteiras formaram um cartel para se revezar na assinatura de contratos bilionários com a Petrobras 

- Ao vencer a licitação direcionada, as construtoras pagavam propina no valor de até 3% do contrato firmado com a estatal 

- O dinheiro sujo, intermediado por Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, abastecia o PT, o PP e o PMDB. Parte dos recursos teria irrigado campanhas políticas em 2010 

- As siglas tinham o controle das indicações de nomes para as diretorias estratégicas da Petrobras 

- De acordo com as investigações, o esquema movimentou R$ 10 bilhões nos últimos anos 

STF nega liberdade para funcionário de Youssef 
O ministro relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, negou recurso para tirar da cadeia um funcionário do doleiro Alberto Youssef. Preso desde julho, João Procópio Junqueira atuava no escritório da empresa GFD, de onde operava contas do doleiro e de outras pessoas no exterior. A Justiça bloqueou US$ 5 milhões em contas na Suíça em nome do funcionário de Youssef. A defesa de Procópio, que tem 68 anos e faz tratamento cardiovascular após sofrer AVC em 2012, disse que o estado de saúde dele impede a continuidade da prisão. Teori, entretanto, afirmou que ele não pode analisar o caso porque não foram julgados ainda recursos do réu em instâncias inferiores. "Não cabe ao STF antecipar juízo sobre a matéria", concluiu o ministro. (Eduardo Militão)

 

 

A estratégia de Cerveró

Correio Braziliense - 07/11/2014

(JV)

Após fazer a doação de três apartamentos a filhos em uma manobra para evitar o possível bloqueio de bens, cujo julgamento foi suspenso pelo Tribunal de Contas da União (TCU) após pedido de vista do ministro Aroldo Cedraz, o ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró tenta transformar sua casa de veraneio, em Itaipava, no Rio de Janeiro, em bem de família. Dessa forma, de acordo com a legislação brasileira, o imóvel torna-se impenhorável. Em 15 de outubro, ele publicou, no jornal Tribuna de Petrópolis, um edital em que comunica a intenção. O imóvel conta com uma área de 2,7 mil metros quadrados. 

Na tarde de ontem, Edson Ribeiro, advogado do ex-diretor, atestou que o cliente realmente deu entrada no processo para transformar a casa em Itaipava em bem de família. Ele informou que Cerveró já mora há três meses no imóvel. “Depois de toda a confusão que ocorreu, ele não podia nem sair na rua no Rio de Janeiro. Havia um constrangimento. Por isso, para preservar sua privacidade, ele optou por ir morar nessa casa em Itaipava”, alegou. Ribeiro fez questão de ressaltar que os bens do cliente não foram bloqueados oficialmente. “O caso ainda está no TCU. Um ministro pediu vista. Portanto, não existe nenhum impedimento”, ressaltou.

Em junho, 45 dias antes de o TCU determinar o bloqueio dos bens de Cerveró e de outros nove gestores da Petrobras, ele doou, de acordo com o jornal O Globo, um apartamento na Rua Prudente a Raquel Cerveró; outro, no mesmo prédio, a Bernardo Cerveró; e um apartamento na Rua Visconde de Pirajá, também a Bernardo Cerveró.

Após as denúncias de irregularidades na compra da Refinaria de Pasadena, no Texas (Estados Unidos), em 2006, a presidente Dilma Rousseff (PT), que presidia o conselho da Petrobras na época, disse que só deu aval ao negócio porque o resumo executivo elaborado por Cerveró estava incompleto. O ex-diretor se defendeu, alegando que as cláusulas que não foram informadas não alterariam a decisão da compra.