Uma série de projetos de lei em tramitação no Congresso coloca em risco áreas de proteção ambiental e terras indígenas. Se aprovados, podem trazer impactos irreversíveis para ecossistemas brasileiros de importância reconhecida mundialmente. É o que afirma um estudo que será publicado hoje na revista científica Science. A pesquisa foi feita pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em Belém, em parceria com pesquisadores britânicos.

O estudo mostra que pelo menos 20% das áreas estritamente protegidas e reservas indígenas coincidem com locais que foram oficialmente registrados como de interesse para a mineração. O Projeto de Lei 3.682/2012, em tramitação na Câmara, por exemplo, prevê a exploração de minérios em até 10% da área de unidades de proteção integral. Entre as 578 terras indígenas analisadas, 251 (43%) delas têm interesse mineral. No caso de 505 áreas de proteção integral, 236 (47%) estão na mira de mineradoras. A maior parte das áreas afetadas está na Amazônia.

Ao todo, 34.117km² de áreas de proteção integral — equivalentes ao tamanho da Suíça — estão hoje no radar da mineração, entre elas Parques Nacionais e Reservas Biológicas. No caso das terras indígenas, 28% ou 281.443km² têm sobreposição com regiões de interesse de exploração — uma área maior que o Reino Unido ou que o estado de São Paulo.

Além disso, muitos dos sistemas hídricos associados com áreas protegidas serão influenciados pela construção de grandes usinas hidrelétricas, de acordo com o artigo. “Nossa preocupação é que, mesmo que as ações de mitigação propostas sejam postas em prática estas são muito simplistas porque não consideram os efeitos indiretos de megaprojetos. Esses projetos normalmente mobilizam milhares de trabalhadores e levam a um rápido crescimento da população local. Isto, combinado com novas estradas e vias de acesso é uma receita para o surgimento de novas fronteiras de desmatamento”, explica Luiz Aragão, coautor do estudo.

O projeto de lei, de autoria do deputado Vinícius Gurgel (PR-AP), quer permitir a atividade de mineração em até 10% da unidade de conservação, desde que o empresário faça uma doação de área equivalente ao dobro da concedida com as mesmas qualidades biológicas. A matéria está na Comissão de Minas e Energia e já recebeu parecer favorável do relator, o deputado Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG). O parlamentar argumentou que há uma criação “desenfreada” de áreas de proteção integral. “Essas unidades, além de não atenderem aos fins ambientais que ensejaram sua criação, se é que existentes, pois sequer foram implantadas, impactam negativamente a sociedade local e regional, com o esvaziamento econômico dos imóveis atingidos pela sua criação”, relatou no voto.

Retrocesso

A pesquisadora da Embrapa e autora do estudo, Joice Ferreira afirma que o objetivo da análise não é dizer que o Brasil não deve se desenvolver e se beneficiar de seus recursos naturais abundantes. “Mas não devemos ameaçar nossa reputação duramente conquistada de sucesso e liderança em favor de projetos de desenvolvimento mal planejados que deixam um longo legado de danos ambientais. É possível gerenciar o desenvolvimento de forma mais sustentável”, alega.

Apesar do aumento recente do desmatamento — 29%, entre 2012 e 2013 —, o Brasil conseguiu reduzir em 80% o corte raso na Amazônia nos últimos 10 anos, e tem a maior rede de áreas protegidas do mundo. Para os pesquisadores, a aprovação dos projetos pode sinalizar à sociedade internacional um retrocesso e, assim, enfraquecer o protagonismo brasileiro na área.

“Durante 15 anos, o Brasil aprendeu a duras penas o que tinha que fazer para proteger as florestas, o que incluiu criar áreas protegidas e acelerar e endurecer a aplicação das penas previstas na lei de crimes ambientais. Nos últimos três anos, o Executivo e o Congresso estão enfraquecendo medidas que estavam funcionando. Como resultado, o desmatamento já aumentou 29% entre 2012 e 2013 e há tendência de aumento em 2014”, ressalta Paulo Barreto, pesquisador do Imazon e coautor do estudo.