Em rota de colisão com a presidente Dilma Rousseff, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, pediu nesta terça-feira, 11, demissão do cargo em uma carta de tom duro, na qual cobra do governo federal o resgate de "confiança e credibilidade" na economia com a escolha da próxima equipe da Fazenda. Magoada com o PT, Marta demarcou o seu espaço, saiu atirando e deu o primeiro passo para pavimentar sua intenção de disputar a Prefeitura de São Paulo, em 2016, mesmo se for por outro partido.

A carta de demissão de Marta, com críticas à condução do governo, em especial na economia, pegou o Palácio de Planalto de surpresa, principalmente porque foi entregue quando Dilma estava no exterior. Foi um gesto calculado da ex-prefeita de São Paulo, que ficou dois anos e dois meses no comando da Cultura e agora reassumirá sua cadeira no Senado.

"Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso País", escreveu Marta em carta antecipada pelo blog de Sonia Racy, no portal do Estadão. "Isto é o que hoje o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera."

Sem saber. Dilma só soube da carta de Marta quando desembarcou em Doha, no Catar, onde parou antes de seguir viagem para Brisbane, na Austrália, com o objetivo de participar da reunião de Cúpula do G-20, que será realizada no sábado e domingo. O tom beligerante da despedida da ministra surpreendeu a presidente e seus auxiliares, irritando ainda mais o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Para a vaga de Marta são cotados o presidente do Instituto Brasileiro de Museus, Angelo Oswaldo, e o secretário municipal de Cultura de São Paulo, Juca Ferreira.

Marta é a segunda ministra demissionária que faz críticas públicas a Dilma. Na segunda, Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), também próximo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que faltou diálogo em seu primeiro mandato. Carvalho ainda não saiu, mas não deve ficar no governo.

No Palácio do Planalto, o gesto da senadora foi interpretado como um movimento planejado por ela para deixar o PT e se filiar ao PMDB, caso o seu partido a impeça de disputar uma prévia com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para a escolha no nome que concorrerá em 2016. A cúpula do PT, Dilma e Lula defendem a reeleição de Haddad, apesar dos problemas enfrentados pelo prefeito.

Isolada no partido, desprestigiada com Dilma e proibida de concorrer em 2012, ela agora quer voltar à Prefeitura.

Dias depois do 2.º turno da eleição presidencial, Marta disse a Lula que está disposta a disputar prévias com Haddad. Além de não se comprometer com Marta, Lula alertou a então ministra que Haddad tem direito a pleitear a reeleição.

Aos seus poucos interlocutores, ela disse que se não puder concorrer pelo PT, poderá se filiar ao PMDB. Marido de Marta, o empresário Márcio Toledo, ex-presidente do Jockey Clube de São Paulo, tem ótimo trânsito no PMDB e é amigo do vice-presidente Michel Temer.

A ida para o PMDB, no entanto, seria o "plano B" de Marta, que já avisou a aliados que não pretende tomar uma decisão antes de outubro do ano que vem, prazo final das filiações para a disputa das eleições de 2016.

Nesta terça, horas depois da manobra de Marta, o PT reagiu com uma nota assinada por cinco vereadores da corrente Novo Rumo antecipando o apoio à reeleição de Haddad. Por outro lado, preocupados com a possível saída da senadora do PT, algumas lideranças foram escaladas para afagá-la. O prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, ligado a Lula, enviou uma mensagem agradecendo as parcerias do Ministério da Cultura com o município.

A situação de Marta começou a ficar insustentável depois que ela promoveu três jantares com empresários e artistas, no início do ano, que ficaram conhecidos como ponta de lança do movimento "Volta, Lula". Dilma ficou contrariada e não pediu sua ajuda na campanha eleitoral. Marta deu o troco e se recusou a pedir votos na periferia de São Paulo, onde tem grande aceitação. O PT teve o pior desempenho da história em São Paulo. Em setembro, Marta chegou a ser expulsa de um carro de som onde estava Dilma, no Largo 13 de Maio, pelo presidente do PT, Rui Falcão.

Na semana passada, ela esteve duas vezes com Dilma, no Palácio da Alvorada. Pediu para sair, mas a presidente solicitou a ela que ficasse mais um pouco, para não precipitar a mudança na equipe. Marta aceitou, mas mudou de ideia nesta semana.

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Casa Civil pede a ministros que deixem cargo à disposição

 

Mercadante é chamado para antecipar medida prevista para a próxima semana, após carta de demissão de Marta

 

O chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, acionou nesta terça-feira, 11, os ministros para que entreguem suas cartas de demissão até a próxima terça, 18, quando a presidente Dilma Rousseff retornará de sua viagem à Austrália, onde vai participar da reunião de cúpula do G-20, em Brisbane.

A ideia inicial era que a entrega dos cargos ocorresse de forma conjunta, no dia 18, como forma de indicar que a equipe deixava a presidente à vontade para compor um novo time no segundo mandato. Mas a atitude de Marta Suplicy, que deixou o Ministério da Cultura um dia após Dilma embarcar para a cúpula do G-20, surpreendeu o Planalto e precipitou o pedido da Casa Civil.

Procurada pelo Estado, a assessoria de imprensa da Casa Civil afirmou que outros ministros já colocaram seus cargos à disposição. No entanto, a pasta informou que não vai divulgar os nomes das autoridades nem quando essas cartas foram encaminhadas. O governo tem hoje 39 ministérios, dos quais 17 são controlados pelo PT.

Sucessão. Atualmente, há dois favoritos para ocupar a cadeira de Marta: o presidente do Instituto Brasileiro de Museus, Angelo Oswaldo, e o ex-ministro e atual secretário municipal de Cultura de São Paulo, Juca Ferreira. Dilma gosta dos dois.

Na avaliação do presidente da Associação de Produtores Teatrais do Rio, Eduardo Barata, Juca é o quadro "mais forte e preparado" para a tarefa. "Ele representou vários avanços. Tem força política, vai ao Congresso, aos outros ministérios, fica esperando até a presidente recebê-lo. Não é uma unanimidade, mas é o mais forte", afirmou Barata. Juca atuou como intermediário entre a campanha de Dilma e os artistas.

"Encerra-se agora um dos mais constrangedores espetáculos da cultura brasileira", disse o diretor de teatro Cacá Rosset. "Marta pede demissão e deixa como grande legado cultural o Supla", ironizou.

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Escala com hotel de luxo se torna visita de Estado

 

Parada do avião de Dilma no Catar vira agenda oficial e justifica estada de presidente em suíte de R$ 30 mil por diária

A presidente Dilma Rousseff terá hoje, em Doha, um encontro com o emir do Catar, xeque Tamim bin Hamad Al Thani, em uma parada técnica que se transformou em visita de Estado. O convite do emir, feito quando a chancelaria do Catar foi informada de que Dilma dormiria na cidade na rota para a cúpula do G-20, na Austrália, permitirá à presidente desfrutar de uma suíte de 720 m², com serviço de mordomo e diária que chega a R$ 30 mil - tudo pago pelo emirado.

Na suíte presidencial, onde devem ficar Dilma e a filha, Paula, podem dormir até sete pessoas. O local tem dois andares, três quartos, três banheiros, sala de jantar com 10 lugares e salas de estar com janelas voltadas para o Golfo Pérsico. Mas a presidente vai aproveitar pouco desse luxo: ela decola para a Austrália às 18h (13h em Brasília).

A visita de Dilma ao Catar deveria ser só uma parada técnica com pernoite - o avião presidencial não tem autonomia para voar mais de 12 horas seguidas. O roteiro desde Brasília inclui paradas nas Ilhas Canárias, onde a presidente acordou ontem, Catar e Cingapura.

Apenas ontem, com Dilma já instalada, o Palácio do Planalto informou que a estada no Catar havia se transformado em visita oficial. Os chefes de Estado vão discutir a situação no Oriente Médio e a oferta brasileira de ajudar o Catar a organizar a Copa de 2022, se a Fifa mantiver o evento.