O setor de açúcar e álcool vive uma crise que, nos últimos sete anos, provocou o fechamento de 82 usinas e a demissão de mais de 80 mil trabalhadores. E a situação ainda pode piorar. Nas estimativas do mercado, o represamento do preço da gasolina pelo governo e a falta de uma política clara que viabilize a produção de etanol impossibilitarão que até 10 agroindústrias iniciem a moagem da cana a partir do início da próxima safra, em meados de abril de 2015.
O diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio de Pádua Rodrigues, admite o risco de que algumas usinas fechem as portas no próximo ano. Ele explica que o temor ganhou relevância após a falta de chuvas afetar o desenvolvimento das lavouras e obrigar 42 plantas industriais a interromperem a moagem ainda em outubro. Em uma safra normal, que tem início em abril, a extração do álcool ocorre até o fim de novembro em algumas regiões.

Pádua alerta que muitas empresas não terão álcool ou açúcar para comercializar até o início do próximo ciclo de produção e ficarão sem recursos em caixa para custear mão de obra, compra de insumos e manutenção. "Neste ano, 12 usinas encerraram as atividades. Não acredito que esse número se repita na próxima safra. É difícil fazer uma estimativa, mas o momento não é favorável."

O controle da gasolina para segurar artificialmente a inflação derrubou o consumo de etanol pelos donos de carros. Isso porque o uso do produto só compensa se o valor dele não passar de 70% do preço do derivado de petróleo. Como nos últimos anos o custo de produção de álcool aumentou, usinas e plantadores de cana passaram a enfrentar dificuldades.

Entre 2007 e 2014, houve 67 pedidos de recuperação judicial de usinas mergulhadas em dívidas. Em comunicado ao mercado na última segunda-feira, a agência de classificação de risco Fitch Ratings destacou que o risco de inadimplência continuará alto no setor de açúcar e etanol. Segundo a agência, todas as empresas classificadas, exceto a Raízen, podem ser rebaixadas e perder o grau de investimento.

Pedindo socorro

Confira os problemas do setor sucroalcooleiro e as principais reivindicações de produtores de cana e de industriais

82

Total de usinas que fecharam as portas entre 2007 e 2014

67

Quantidade de empresas que entraram com pedido de recuperação judicial

10

Número de agroindústrias que podem deixar de moer cana em 2015

R$ 10 bilhões

Perdas anuais com o fim da Cide

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) defende a volta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina

A entidade avalia que o preço do etanol ficará mais competitivo com o encarecimento da gasolina, e os consumidores voltarão a abastecer os carros com álcool

Os agroindustriais ainda sugerem o aumento da mistura do etanol anidro na gasolina

Tanto para os agricultores quando para o usineiros, a indústria automobilística precisa aperfeiçoar os motores flex dos carros para torná-los mais eficientes

Os empresários cobram mudanças no processo de comercialização do álcool. Hoje, as distribuidoras ficam com a maior parte das receitas

Fontes: Unica e especialistas

Milho é alternativa

Entre 2003 e 2009, produtores de cana e usineiros aproveitaram o interesse global pelos biocombustíveis, os baixos custos e o apoio do governo para investir na produção de álcool. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), de R$ 0,28 por litro de gasolina, dava competitividade ao etanol. No período, 100 novas usinas foram instaladas. 

O cenário mudou a partir de 2008, com a crise internacional. Mesmo com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a expansão no crédito para a compra de automóveis, o setor, endividado, parou de investir em renovação de canaviais e perdeu produtividade. 

Nas últimas três safras, os problemas climáticos reduziram a oferta de cana. A produção de etanol despencou, o preço do produto subiu com pressões inflacionárias e, em 2010, veio o golpe final, com a redução e posterior eliminação da Cide sobre a gasolina. A extinção do imposto impõe perdas anuais de R$ 10 bilhões aos empresários. Na opinião de Pádua Ribeiro, da Unica, o governo deveria restaurar o tributo e aumentar a mistura de etanol anidro no derivado de petróleo. Além disso, a indústria automobilística precisa aperfeiçoar os motores flex dos carros para torná-los mais eficientes com o uso do álcool. 

Para Ricardo Giannini, sócio da GT Consult, parte do estrangulamento de caixa das usinas ocorre porque a cadeia de valor prejudica usineiros e produtores. "Eles são obrigados a vender o álcool para os distribuidores, que repassam o produto para os postos com margens superiores", comenta. Ele ressalta que, nesse contexto, a produção de etanol de milho em Mato Grosso, em Goiás e em Mato Grosso do Sul tem viabilizado a operação de algumas usinas. "O custo da matéria-prima é menor e o rendimento do grão é muito maior. Até sorgo tem sido usado e a viabilidade é real", afirma. 

Alfredo Ervino Scholl, diretor da Usimat Destilaria, destaca que a empresa tem investido cada vez mais na produção de álcool a partir de grãos. Segundo ele, cada tonelada de milho gera 370 litros de etanol, enquanto a mesma quantidade de cana rende apenas 80 litros. "Os cereais são mais competitivos e temos aproveitado esse momento para evitar prejuízos", diz Scholl.