As negociações políticas conduzidas pelo vice-presidente Michel Temer nos bastidores em defesa da alteração da meta do superávit primário unificaram o discurso da base governista no Congresso. 
 
A presidente Dilma Rousseff viajou para a reunião do G-20, na Austrália, deixando a missão para Temer e os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Relações Institucionais).
Ao longo do dia, Temer fez uma série de reuniões com os principais líderes aliados. Reuniu lideranças do PMDB e do PT e convidou o chamado “baixo clero” parlamentar para costurar apoio ao projeto de lei que altera a meta de economia para pagamento dos juros da dívida. O resultado foi um discurso uníssono, cujo tom foi dado por Temer: “Não é uma questão de governo, mas de Estado.” 
 
O lema do vice foi incorporado pelos governistas. “Queremos dar rapidamente um parecer. Esta é uma questão de Estado”, repetiu o relator da proposta, senador Romero Jucá (PMDB-RR). 
 
Ele integrou o pelotão peemedebista formado pelos presidentes da Câmara, Henrique Alves (RN); do Senado, Renan Calheiros (AL); o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (AM); e os líderes do partido no Senado, Eunício Oliveira (CE); e na Câmara, Eduardo Cunha (RJ). “Da parte do PMDB, não há obstáculo com relação a tratar do tema”, disse Cunha. “Sabíamos que isso ia acabar acontecendo.”
 
Dogma. O líder do PP no Senado, Francisco Dornelles (RJ), que já foi ministro da Fazenda, afirmou que a mudança no superávit primário não pode ser “um dogma” diante da queda de arrecadação pela União. “Você teve problema de queda de arrecadação e o governo não teve outro caminho. Acho que o governo está certo.” 
 
O líder do PTB no Senado, Gim Argello (DF), considerou que a aprovação do novo modelo de superávit será a primeira grande vitória do governo reeleito. “O superávit pode ser superado”, concluiu. 
 
Cotado para comandar a Câmara em 2015, Eduardo Cunha colocou como “pedágio” a análise de vetos presidenciais pelo Legislativo. O objetivo seria “limpar” a pauta de vetos acumulados no Congresso antes de debater, no plenário, a alteração proposta pelo governo. O principal veto de interesse do PMDB é o que proibiu a criação de novos municípios. 
 
Diante da necessidade e da urgência do governo em aprovar o projeto, o PT deve aceitar a derrubada do veto, segundo apurou o Estado
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A nova meta do superávit primário

O governo federal enviou ontem ao Congresso Nacional Projeto de Lei alterando a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2014. O superávit primário para o setor público consolidado havia sido foi fixado por esta Lei em R$ 167,4 bilhões (3,1% do PIB). Mas o governo poderia abater deste valor até R$ 67 bilhões de despesas do Plano de Aceleração Econômica (PAC) e economizar apenas R$ 100 bilhões (1,9% do PIB).

Mas mesmo o alcance desta meta reduzida tornou-se impossível, não pela redução da receita, como argumenta o governo, mas sim pelo forte crescimento da despesa pública em um cenário de baixo crescimento da economia.

O governo agora pleiteia a permissão do Congresso Nacional para abater qualquer despesa que seja classificada como PAC e também abater qualquer desoneração de receita. Na prática, como esses descontos podem superar R$ 100 bilhões, isso significa a autorização para o setor público ter um déficit e chamá-lo de superávit primário. Isso não é transparente.

É importante que o leitor entenda três coisas. Primeiro, apesar do baixo crescimento e de algumas desonerações, a receita líquida da União nos quatro anos do governo Dilma crescerá acima do PIB. Não haverá redução de carga tributária.

Segundo, o problema não é a receita, mas o forte crescimento da despesa primária (despesa sem incluir pagamento de juros) da União, que será perto de 2,2 pontos de porcentagem do PIB de 2010 a 2014, valor muito próximo ao crescimento da despesa primária nos doze anos (1998-2010) que antecederam o governo Dilma. Assim, o problema é do lado da despesa e não da receita. Terceiro, o crescimento despesa pública nos últimos anos foi agravado pela redução do primário dos Estados e municípios, que contaram com a boa vontade dos bancos públicos e garantias do Tesouro Nacional para contrair novas dívidas de cerca R$ 80 bilhões.

O governo Dilma está terminando, independentemente dos descontos pleiteados pelo governo, com déficit primário. Nos próximos quatro anos, o novo governo precisará fazer um esforço fiscal perto de R$ 150 bilhões para voltarmos a ter um superávit primário de 2,5% do PIB. Sem controlar o crescimento das despesas, corremos o risco de pagar mais impostos (aumento da carga tributária) e/ou ver o aumento da dívida pública.

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Meta flexível não é meta, diz Loyola

O projeto de lei que o governo federal enviou ao Congresso Nacional retirando o teto do limite de abatimento com despesas do PAC e das desonerações do superávit primário é o "reconhecimento do fracasso" da política fiscal em 2014, segundo Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria Integrada. Para ele, a mudança significa ter uma meta flexível, "e meta flexível não é meta".

"Esse projeto é negativo, porque mostra que o governo não conseguiu cumprir a meta e, agora, arrumou um jeito de não ter meta", afirmou. Diante desse ano fiscal ruim, Loyola afirmou que, "de certa maneira", o projeto não surpreende o mercado financeiro. "Em 2014, há pouco o que fazer, praticamente já estamos no final do ano e os resultados acumulados são muito ruins. O estrago foi ao longo do ano, quando o governo insistiu na ficção de que iria cumprir a meta de superávit e agora não pode fazê-la", afirmou.

Na visão de Adauto Lima, economista da Western Asset, o projeto enviado ao Congresso é só uma adaptação de um cenário já ruim das contas públicas. A despeito de a Lei de Diretrizes Orçamentárias estar sendo "desrespeitada", ele acrescentou que não havia nenhuma expectativa de que o primário pudesse fechar dentro do estabelecido.

Segundo o economista, o problema é que vão retirando as amarras da questão fiscal. "Estão tirando os elementos que tentavam garantir uma certa regra para o comportamento fiscal. Isso é ruim. Então, para que serve a LDO? No penúltimo mês do ano, mudam a regra para o mês seguinte, para este ano", disse.

Lima disse que nem chegou a acreditar que o governo pudesse cumprir a meta fiscal de 1,9% do PIB. A expectativa da Western Asset, segundo ele, é que o dado fique perto de zero, com algum viés negativo. "Dada a (eventual) mudança da LDO, não sei se vão deixar restos a pagar", disse.