Título: Vitória do atraso
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Fonte: Correio Braziliense, 17/06/2011, Opinião, p. 14

É impressionante a capacidade da Câmara Legislativa de votar contra os interesses da população. A manobra de quarta-feira ilustra com cores vivas a inclinação dos distritais de fazer ouvidos moucos aos clamores dos brasilienses. Depois de quatro meses de tramitação, os deputados aprovaram, em 1º turno, o projeto de lei que autoriza a instalação de postos de combustíveis em estacionamento de supermercados, hipermercados e shopping centers.

Não houve tempo para comemoração. Por 10 votos a favor, oito contra e três abstenções, emenda liderada por Raad Massouh (DEM) deu marcha a ré no processo. Segundo a artimanha, a liberação só atinge os futuros estabelecimentos. Os atuais continuam proibidos de comercializar gasolina, álcool e similares. Em português claro: como ensinou o italiano Lampedusa, mudou-se para ficar na mesma.

Talvez não haja tema que revolte mais a população do Distrito Federal do que o preço dos combustíveis. Os postos aqui instalados cobram preços iguais ou muito semelhantes. A prática caracteriza a formação de cartel, que contraria a livre concorrência. Com ela, corta-se o oxigênio essencial para o pleno funcionamento do capitalismo. Em reação, brasilienses organizam manifestações para trazer a público o descontentamento. As mobilizações chamam a atenção para o problema, mas não o solucionam por falta de alternativa.

O projeto de lei ora derrotado, de autoria do distrital Chico Vigilante (PT), veio ao encontro das expectativas dos moradores da capital da República. A iniciativa se impôs porque, em 2000, lei distrital proibiu a "edificação de postos de abastecimento, lavagem e lubrificação nos estacionamentos de supermercados, hipermercados e similares, bem como de teatros, cinemas, shopping centers, escolas e hospitais públicos".

A justificativa para o esdrúxulo impedimento tem aparência nobre, mas, de fato, oculta interesses anticompetitivos. A medida preveniria supostos riscos ao meio ambiente e à população. Esquecem-se os defensores do atraso que existem regras de segurança estabelecidas pelas autoridades públicas. Elas não discriminam a localização do posto. Exigem, apenas, que as normas sejam cumpridas.

Não é necessário ter conhecimento de economia para saber que a abertura do mercado forçaria a competição. Se um posto vende o produto por preço mais baixo, obriga o outro a reduzir a margem de lucro. Se não o fizer, perde o cliente. Abre-se espaço, assim, para cumprir-se o mandamento número um do capitalismo moderno: quem manda é o freguês.

Na capital da República, porém, o exercício do poder é cerceado pelos representantes do povo. É lamentável. Mas o assunto é importante demais para ser deixado nas mãos dos deputados. Ainda há o segundo turno. O eleitor, capaz de organizar manifestações públicas contra o que considera cartel, deve mudar o foco ¿ cobrar o voto favorável do distrital no qual depositou a confiança.