Delegados federais da Operação Lava Jato, força-tarefa que investiga o esquema de corrupção na Petrobrás envolvendo empreiteiras e partidos, entre os quais o PT, usaram as redes sociais durante a campanha eleitoral deste ano para elogiar o senador Aécio Neves, candidato do PSDB ao Planalto, e atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora, Dilma Rousseff, que disputava a reeleição.

Em manifestações feitas em perfis fechados no Facebook aos quais oEstado teve acesso, delegados da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, órgão onde estão concentradas as investigações, compartilharam propaganda eleitoral do então candidato tucano que reproduzia reportagens com o conteúdo da delação premiada do doleiro Alberto Youssef, segundo a qual Dilma e Lula teriam conhecimento do esquema de desvios - o teor desses depoimentos está sob segredo de Justiça. Os policiais ajudaram ainda a divulgar notícias sobre o depoimento à Justiça de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, no qual disse que o PT recebia 3% do valor de contratos superfaturados da estatal.

"Esse é o cara!!!!", escreveu no dia 18 de outubro o delegado Igor Romário de Paula, da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, ao comentar uma montagem com várias fotos de Aécio, nas quais ele aparece ao lado de diferentes mulheres. As investigações da Lava Jato estão sendo conduzidas por delegados vinculados a Igor de Paula. Ele responde diretamente a Rosalvo Franco, superintende da Polícia Federal do Paraná.

O delegado, que atuou na prisão de Youssef, participa de um grupo do Facebook chamado Organização de Combate à Corrupção, cujo símbolo é uma caricatura de Dilma, com dois grandes dentes incisivos para fora da boca e coberta por uma faixa vermelha na qual está escrito "Fora, PT!". Esse grupo se autoproclama um instituto cujo objetivo é mostrar às pessoas que "o comunismo e o socialismo são um grande mal que ameaça a sociedade".

No dia 17 de outubro, Igor de Paula também compartilhou um link da revista inglesa The Economist que defendia voto em Aécio. Na notícia, lia-se: "Brasil precisa se livrar de Dilma e eleger Aécio".

Entre o 1.º e o 2.º turnos, o delegado também divulgou duas propagandas eleitorais de Aécio. A primeira acusava o PT de perseguir o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na Justiça Federal do Paraná. A outra era uma reprodução de uma frase do tucano criticando Dilma, num dos debates na TV: "Que triste o País onde a presidente da República é que determina quem será investigado".

Ex-coordenador. "Alguém segura essa anta, por favor", declarou o delegado Marcio Anselmo, ex-coordenador da Operação Lava Jato, em uma notícia cujo título era: "Lula compara o PT a Jesus Cristo". Ele também falou sobre habeas corpus que foram impetrados nos tribunais a favor dos investigados. "Vamos ver agora se o STF aguenta ou se vai danieldantar", declarou, numa referência ao banqueiro Daniel Dantas, que teve a prisão revogada pela Corte em 2008.

Ele também compartilhou uma notícia sobre hospedagem de Lula na suíte mais cara do Copacabana Palace. "Assim é fácil lutar contra azelite!!!", escreveu. Na reta final do 2º turno, fez comentários em outra notícia, na qual Lula dizia que Aécio não era "homem sério e de respeito". Escreveu: "O que é ser homem sério e de respeito? Depende da concepção de cada um. Para Lula realmente Aécio não deve ser". O delegado apagou há poucos dias o seu perfil no Facebook.

Abaixo do comentário de Anselmo, o delegado Maurício Grillo, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários, aproveita para se manifestar: "O que é respeito para este cara?". Ele é responsável por apurar a denúncia de grampos na cela de Youssef. Grillo também compartilhou propaganda eleitoral do PSDB, como a que dizia que Lula e Dilma sabiam do esquema de corrupção na Petrobrás. "Acorda!", escreveu ele ao comentar a reportagem com o título: "Lula e Dilma sabiam de tudo". Em outro post, Grillo comentou um vídeo no qual uma apoiadora de Dilma está descontrolada, xingando universitários: "As pessoas que apoiam o PT. kkkkk. Alto nível".

A delegada Erika Mialik Marena, em cuja delegacia, a de Repressão a Crimes Financeiros e Desvios de Recursos Públicos do Paraná, estão os principais inquéritos da operação, manifestou-se em uma notícia sobre o depoimento do ex-diretor da Petrobrás à Justiça Federal. "Dispara venda de fraldas em Brasília", comentou a delegada, que usa o codinome "Herycka Herycka" no Facebook. Anselmo comenta logo depois: "Haja fraldas".

Anselmo também se manifesta sobre a prisão da doleira Nelma Kodama: "Bye, bye, Japa… vai trabalhar na cadeia agora".

A Operação Lava Jato foi deflagrada em 17 de março. No alvo das investigações estão doleiros, integrantes da Petrobrás, empreiteiras e executivos - quatro pessoas já firmaram acordos de delação premiada.

Sem resposta. Os comandos da Polícia Federal no Paraná, onde atuam os policiais da Lava Jato, e em Brasília, sede do órgão, não comentaram as manifestações dos delegados nas redes sociais no período eleitoral.

Postagens de delegados põem isenção em xeque, dizem advogados

Especialistas ponderam que posicionamento político deve ser externado com moderação; investigadores que atuam na Lava Jato fizeram críticas ao PT nas redes sociais

Especialistas em Direito Administrativo e Penal afirmaram que servidores podem se posicionar politicamente, desde que essa manifestação não interfira na execução da sua função. Na avaliação de professores de Direito, no entanto, o posicionamento político de delegados na condução de uma investigação pode colocar em xeque a neutralidade, o que, em última instância, provocaria a nulidade de uma investigação.

Os advogados, que comentaram o caso em teoria, citaram como referência a Operação Satiagraha, que levou à condenação do deputado Protógenes Queiroz (PC do B-SP), delegado responsável pela investigação na época, a dois anos e seis meses de prisão pelo vazamento de informações sigilosas.

"Em primeiro lugar, o servidor tem direito de se manifestar politicamente, como qualquer pessoa. Mas ele deve manter o sigilo sobre o assunto relativo ao exercício da sua função, se esse sigilo for necessário para o exercício adequado da função", disse Carlos Ari Sundfeld, especialista em Direito Administrativo e professor da Escola de Direito da FGV-SP. Segundo o advogado, no exercício de seu direito político, os servidores não podem cometer ato de insubordinação nem de indisciplina, mas eles não devem fidelidade ao governante ou à própria entidade a que estão ligados.

Para o professor de Direito Administrativo Floriano de Azevedo Marques, chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, o servidor não pode se valer de informações sigilosas para fazer suas manifestações. "Mas o servidor não está impedido de se manifestar fora da hora de trabalho, do computador dele", declarou. Segundo Marques, "não convém que (o delegado) repercuta informações sobre a investigação que está conduzindo".

"As pessoas têm liberdade para expressar sua opinião. Agora, o funcionário público, ainda mais quando atuante numa situação penal, deveria ter alguns resguardos", afirmou o professor titular de Direito Penal da USP Renato Silveira.