Como vê o futuro do BNDES?
O banco é hoje uma instituição muito sólida. Temos desafios em infraestrutura, infraestrutura urbana, inovação, sustentabilidade ambiental, indústria e em determinados serviços. A questão é que o banco precisa fazer esse papel com poupança de TJLP (financiamento pela Taxa de Juros de Longo Prazo, em 5% ao ano, contra 11,25% da Taxa Selic), que é moeda escassa e onerosa no sentido de que, ao vir de suplementos do Tesouro, tem um custo financeiro. Precisamos encontrar uma maneira de gerar fontes de financiamento de longo prazo.
Como criar fontes de longo prazo?
As fontes institucionais, o FAT e os empréstimos do Tesouro, são naturalmente limitadas. Por outro lado, as fontes de mercado são extremamente escassas pois uma esmagadora maioria das poupanças privadas, das famílias, está em instrumentos de curto prazo, como caderneta, fundos DI. Isso é um desafio para o país e a maneira de encaminhar e solucionar este desafio desenha um papel para o BNDES. O grande obstáculo é que a nossa taxa de juros de curto prazo é extraordinariamente alta quando comparada a qualquer outra economia do mundo. Tenho fundada esperança que, com a reconstrução de condições fiscais e um processo de gestão do Banco Central, em algum momento no futuro, o ciclo da Selic poderá ser revertido e caminhar novamente em direção a uma convergência com a TJLP, quando poderemos fazer um esforço de criação de um sistema de financiamento de longo prazo em bases privadas, com o mercado de capitais como principal avenida.
Isso indica que o BNDES não começará a reduzir seu tamanho?
Trabalhamos muito para viabilizar a lei 12.431, que criou as debêntures de infraestrutura para compartilhar o financiamento de longo prazo entre o mercado e o banco. Tínhamos, há dois anos, quando a Selic estava em 7,25% ao ano, a expectativa de que poderíamos induzir de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em debêntures de infraestrutura. Infelizmente, elas somam R$ 8 bilhões, sendo R$ 3 bilhões este ano. É um processo que ficou reprimido, mas tem imenso potencial e que, talvez, em dois, três anos, possamos ter uma participação muito relevante já do mercado.
Mas o BC sinalizou novas altas de juros na ata de sua última reunião.
Em geral, não opino sobre política monetária. O BC tem que agir no curto prazo e creio que serão criadas condições fiscais para permitir, mais adiante, a redução da Selic.
A taxa de investimento em relação ao PIB está muito aquém do necessário.
De 2003/2004 a 2008, antes da crise, a taxa do investimento saiu de 15,5% do PIB para cerca de 19,5% do PIB. Veio a crise, caiu o investimento, e houve uma reação forte a partir do segundo semestre de 2009. O BNDES teve participação relevante nesta retomada. O ápice da atuação foi em 2010. E, apesar da esperada retração de 2014, estamos atuando. Vamos fechar o ano com R$ 70 bilhões em infraestrutura, crescimento expressivo sobre 2013 (R$ 62,2 bilhões). Mas o banco sozinho não pode resolver a questão. Ela depende da confiança do empresário, da construção civil, que é metade da taxa de investimento e que não é afetada por nossa atuação. Temos muitas evidências de que as coisas seriam piores se não fosse o BNDES.
O que está travando o investimento no Brasil?
Em infraestrutura, os processos de investimento requerem elaboração de projetos, o quão mais precoces no tempo, melhor. Requer planejamento de longo prazo e agilidade na construção de regulamentos. Temos feito avanços nessas frentes, mas são ainda insuficientes. O modelo mais eficiente é o de concessões e parcerias público-privadas, mas requer calibragem que combine taxas de retorno atraentes aos investidores dentro de uma razoabilidade em termos de tarifas. O investimento de 2017 e 2018 precisa ser preparado em 2014 e 2015, com antecedência.
O senhor teme o avanço do consumo sem o avanço dos investimentos?
Não, o ciclo de endividamento familiar alcançou níveis de relativa saturação da capacidade financeira das famílias. O crescimento do Brasil necessariamente transitará por uma aceleração firme dos investimentos. Deveríamos olhar como prioridade a necessidade de expandir as exportações de manufaturados. A indústria precisa voltar a ser uma exportadora relevante.
Mas o governo tem dado incentivos ao consumo das famílias.
Creio que a política do governo já iniciou a desmontar os incentivos de consumo, como IPI (reduzido para automóveis).
A confiança do empresário voltou?
Embora em 2014 os investimentos tenham uma retração, o volume de previsão do investimento no quadriênio 2014/2017, quando comparado a 2010/2013, mostra crescimento de 6% ao ano. Pode ter havido no curto prazo a postergação de decisões de investimento, mas não o cancelamento. E a indústria de transformação tem potencial de recuperar a competitividade. Apoiamos nos últimos cinco anos um forte ciclo de investimento da indústria automobilística e estamos aumentando sua capacidade. Como o mercado interno continuará crescendo, mas de maneira mais moderada e saudável, a oportunidade de exportação se coloca como uma alternativa necessária.
Voltando ao BNDES: os desembolsos ficarão próximos ao patamar de R$ 200 bilhões por ano?
Estamos um pouco moderados. Não é desejável uma expansão adicional do banco, mas uma expansão do mercado. O banco financia ciclos de investimentos não instantâneos. Grandes projetos têm de um ano e meio a dois de execução. Se eu tomar o volume de investimento já aprovado nos últimos 18 meses, significa que já tenho contrato para os próximos 12 meses, um volume relevante de desembolso. O banco é como um grande transatlântico, não pode fazer curvas fechadas, as mudanças são graduais. Não há possibilidade de ajustes radicais.
Mas há a necessidade de novos aportes do Tesouro?
Já disse que é um processo gradual.
O BNDES emprestou muito para agricultura, comércio e serviços. Mas dizem que empresta a empresas que poderiam captar no mercado.
O BNDES é o principal, talvez o único financiador do capital fixo (investimento) na agricultura. O Banco do Brasil e outros financiam a safra, o giro. Em relação ao setor de serviços, ele dá qualidade de vida nas cidades, geração de empregos. E é um setor em que a participação de TJLP é baixa e a parcela de financiamento com custo de mercado é muito expressiva. É falsa a percepção de que o BNDES desperdiça TJLP em qualquer setor, ele está concentrado nas grandes infraestruturas.
E a crítica de que o BNDES escolhe campeões nacionais?
O BNDES apoia todas as empresas, sem favoritismo. Das mil maiores do Brasil, o BNDES apoia 783. Das 500 maiores, 408 tiveram financiamento do banco. Das 100 maiores, 91 tiveram apoio do BNDES. O BNDES não discrimina. Em relação à atuação da BNDESPar, é feita a custo de mercado. Não há subsídio. Tivemos uma política de consolidar e promover, em setores onde o Brasil tem forte competitividade, o desenvolvimento de empresas com atuação internacional. Após a crise do Lehman Brothers, havia oportunidades. Este ciclo foi concluído de forma satisfatória e exitosa, que produziu resultados favoráveis à BNDESPar.
Outra grande crítica é o financiamento para empresas brasileiras que fazem obras no exterior.
É uma política importante e gera resultados para o país. Na exportação de bens e serviços de engenharia, financiamos os exportadores de serviços brasileiros em reais, que nos remunera o crédito em moeda forte, em geral em dólares. Só financiamos gastos no Brasil, que geram empregos no Brasil, diferentemente até de concorrentes, outros bancos que financiam gastos locais. Este setor de exportação de serviços de engenharia e construção é extremamente disputado no mundo inteiro. Há cinco anos, a participação brasileira no mercado africano era zero e hoje temos 4%, com a China liderando com mais de 50%. Na América Latina, o Brasil tem perto de 19%. Todos os países têm agências de créditos à exportação que competem de forma muito intensa. E este financiamento tem suporte em garantias. Nunca houve, nos últimos 40 anos, qualquer inadimplemento.
O senhor deseja ficar no banco ou assumir um ministério no governo?
Não vou falar sobre isso. O cargo do presidente do banco é da presidência da República.