Em meio às discussões sobre reforma política e possíveis mudanças no modelo de financiamento das campanhas eleitorais, os partidos terão que arcar com uma fatura indigesta, consequência direta do último pleito: R$ 89,8 milhões. Este é o valor da dívida deixada pelos candidatos a governador, eleitos ou não, que encerraram suas participações no primeiro turno do processo eleitoral. Levando-se em consideração apenas os 13 governadores eleitos no primeiro turno, a conta fica negativa em R$ 19,5 milhões. A situação mais complicada é a do PT, que amargou um prejuízo de R$ 60 milhões, o equivalente a 66% do total. Nem mesmo Rui Costa, eleito governador da Bahia, construiu uma campanha saudável financeiramente, deixando uma dívida de R$ 13 milhões. Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde e derrotado na disputa pelo governo de São Paulo, ficou com o maior passivo entre todos os candidatos analisados: R$ 24 milhões. A situação seria ainda pior se o comitê de Dilma Rousseff e a própria direção nacional do partido não tivessem contribuído com Padilha. Em setembro e outubro, a campanha da presidente e o PT doaram, juntos, R$ 4,6 milhões.

Para quitar as dívidas contraídas durante a campanha, as legendas podem usar verbas do Fundo Partidário, patrimônio composto, entre outras fontes, por dotações orçamentárias da União. Até o dia 25 de setembro, data da última atualização, os partidos haviam recebido um montante de R$ 273,2 milhões referentes ao fundo. O levantamento das dívidas, feito pelo GLOBO com base nas prestações de contas disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levou em consideração os candidatos que alcançaram pelo menos 5% dos votos válidos no primeiro turno. A quantia foi calculada a partir da diferença entre a arrecadação e os gastos declarados por cada candidato à Justiça Eleitoral. A conta deverá aumentar ainda mais quando os dados referentes à arrecadação e às despesas dos candidatos que foram ao segundo turno estiverem disponíveis.

Lindbergh e Gleisi não fecharam contas

Os fracassos das campanhas dos senadores Lindbergh Farias, quarto lugar no Rio, e Gleisi Hoffmann, que ficou em terceiro no Paraná, também contribuíram para o passivo do PT. Lindbergh, que levou o partido a romper a aliança com o PMDB no estado, deixou a campanha com uma dívida de R$ 11,9 milhões. Já Gleisi, aposta do partido para encerrar a hegemonia tucana no Paraná, ficou devendo R$ 5,9 milhões. O governador de Brasília, Agnelo Queiroz, que fracassou em tentativa à reeleição e sequer foi ao segundo turno, deixou uma fatura de R$ 1,8 milhão. Procurada, a direção nacional do partido afirmou que não sabia dar informações a respeito do pagamento de dívidas de campanha. O tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff, Edinho Silva, não retornou as ligações.

O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, afirma que as dívidas representam um erro no projeto financeiro desenhado para as campanhas.

- Revela falta de planejamento eleitoral, mas não é sinônimo de falência desse modelo de financiamento. No entanto, haveria meios mais inteligentes de controlar essas doações, diminuindo os gastos das campanhas. Para as grandes empresas, com faturamento muito alto, esse limite fica elevado, o que aumenta a disparidade - afirma, em referência ao fato de as empresas poderem contribuir com valores correspondentes a até 2% de seu faturamento bruto no ano anterior à eleição.

O fato de os candidatos gastarem muito mais do que arrecadam tem respaldo legal. O TSE permite que as dívidas dos candidatos sejam assumidas pela direção nacional dos partidos. A resolução do tribunal para as eleições de 2014 prevê que "eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas poderão ser assumidos pelo partido político". A decisão cabe à direção nacional de cada legenda, que é obrigada a apresentar um cronograma de pagamento. Os partidos têm quatro anos para quitar as dívidas.

Segundo José Norberto Campelo, presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB, a partir de 2012 o TSE passou a permitir que os partidos assumam os valores excedentes, o que ajuda os candidatos a ganhar tempo:

- Na verdade, a Justiça Eleitoral admite essa situação. Para evitar a rejeição das contas, somente os partidos podem se responsabilizar (pelas dívidas). Caso contrário, as contas ficam irregulares. Com a nova lei, a vantagem para os candidatos é ganhar tempo, é uma espécie de antecipação de receita partidária. Um empréstimo para garantir a campanha.

Em segundo lugar na lista de devedores aparece o PSDB, com uma conta de R$ 6,7 milhões. Reeleito governador do Paraná, Beto Richa terminou a campanha com um débito de R$ 3,7 milhões. Já Pimenta da Veiga, derrotado em Minas Gerais, deixou de herança um passivo de R$ 2,7 milhões. O governador Geraldo Alckmin, reconduzido ao posto em São Paulo, gastou R$ 40,3 milhões e terminou a eleição com um superávit modesto: R$ 620,49. Por telefone, a assessoria do PSDB negou a existência do valor citado pelo GLOBO, disse que o partido ainda está fechando as contas da campanha e buscando arrecadações para quitar as dívidas. Apesar de contestar o valor calculado com base nas prestações de contas disponibilizadas pelo TSE, o PSDB não informou quanto deve.

As campanhas dos candidatos do PSB também vão pesar no orçamento do partido. Herdeiro político de Eduardo Campos e eleito governador de Pernambuco no primeiro turno, Paulo Câmara deixou uma dívida de R$ 1,07 milhão. Os prejuízos do governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, derrotado em sua tentativa de se reeleger, e da senadora Lídice da Mata, terceira colocada na Bahia, foram ainda maiores: R$ 2,5 milhões e R$ 2,2 milhões respectivamente. O partido tem também casos curiosos de contabilidade, como o do deputado estadual Marcelo Ramos, derrotado no Amazonas, que terminou o pleito com um saldo de R$ 7,44. Ainda no PSB, há um episódio de contabilidade cirúrgica. Vanderlan Vieira Cardoso, que ficou fora do segundo turno em Goiás, arrecadou R$ 4.529.107,12 e gastou exatamente o mesmo valor.

As situações em que os tesoureiros das campanhas entregaram as contas zeradas se espalham também por outros partidos. O governador Raimundo Colombo (PSD), reeleito em Santa Catarina, gastou a mesma quantia recebida em doações: R$ 12.686.824,52. Marcelo Miranda (PMDB), eleito no Tocantins, teve gastos e despesas idênticos: R$ 7.255.534,88. Sebastião Rodrigues (DEM), no Acre, Antônio Gomide (PT), em Goiás, Robério Paulino Rodrigues (PSOL), no Rio Grande do Norte, e Jaqueline Cassol (PR), em Rondônia, apresentaram contas com a mesma situação. A direção nacional do PSB disse que não recebeu pedido de ajuda dos candidatos para pagar dívidas. O partido afirmou que apenas autorizou os comitês de cada estado devedor a pagar as despesas correspondentes.

Despesa por cada voto foi maior em MT

Entre os governadores eleitos no primeiro turno, a relação mais alta entre despesas de campanha e votos conquistados foi do senador Pedro Taques (PDT), eleito governador do Mato Grosso. Taques gastou R$ 29,5 milhões e conquistou 833.788 votos, uma média de R$ 35,4 por voto. Em Alagoas, o governador eleito Renan Filho (PMDB) gastou R$ 16,8 milhões na campanha e teve 670.310 votos, um gasto médio de R$ 25,09 por voto. As despesas de Geraldo Alckmin (PSDB), reeleito em São Paulo, foram de R$ 40,3 milhões, em um total de 12.230.807 votos. Em média, Alckmin gastou R$ 3,30 por voto. No Maranhão, segundo pior IDH do país, Flávio Dino (PCdoB) gastou R$ 9,3 milhões, uma média de R$ 4,98 por eleitor conquistado. No Piauí, terceiro pior IDH, ao lado do Pará, as despesas de Wellington Dias (PT) foram de R$ 4,8 milhões, R$ 4,58 por voto.