BRASÍLIA e SÃO PAULO

Na mesma linha do discurso adotado no dia anterior pela presidente Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou ontem que o governo federal está finalizando estudos que resultarão em uma "redução importante" das despesas. Ele citou como foco desse ajuste o corte em despesas com seguro-desemprego, abono salarial e benefícios previdenciários como auxílio-doença e pensão por morte. Só que, desde 2011, o primeiro ano do mandato de Dilma, o governo vem prometendo reduzir esses gastos com combate às fraudes e regras mais rígidas na concessão dos benefícios. As medidas, no entanto, não saíram do papel e as despesas só crescem.

O próprio Mantega reconheceu ontem que as despesas com seguro-desemprego, abono e auxílio-doença tiveram crescimento acelerado nos últimos anos, atingindo R$ 70 bilhões em 2014. E mencionou a intenção de fazer uma "reformatação" nas despesas com pensão por morte, que chegariam a R$ 90 bilhões. Ele ainda falou em um rearranjo na política monetária, com o fim ou redução dos estímulos fiscais e financeiros. Neste caso, o governo mira nos empréstimos do BNDES, que tem uma série de programas de financiamento com juros abaixo da taxa básica Selic.

- É uma economia pós-crise, com menos estímulos - afirmou, ressaltando que o país estaria entrando em um "novo ciclo de expansão da economia". - A estratégia macroeconômica para iniciarmos esse novo ciclo de expansão é um ajuste tanto da política fiscal quanto da política monetária. Temos agora que fazer uma redução das despesas.

Em fevereiro de 2011, a equipe econômica incluiu no cálculo do corte de R$ 50 bilhões prometido para aquele ano a redução de R$ 2 bilhões nas despesas com benefícios previdenciários e de R$ 3 bilhões com abono e seguro-desemprego. Mas estas cresceram R$ 13,9 bilhões em relação a 2010.

As despesas com seguro-desemprego continuaram a subir nos anos seguintes. Passaram de R$ 23,7 bilhões em 2011 para R$ 27,6 bilhões em 2012 e R$ 31,9 bilhões em 2013. Este ano, a projeção é que cheguem a R$ 35,2 bilhões. Já os gastos com abono subiram de R$ 10,3 bilhões em 2011 para R$ 12,3 bilhões em 2012 e R$ 14,6 bilhões no ano passado, devendo atingir R$ 16,7 bilhões este ano. Os números constam do boletim financeiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Já os gastos com pensões por morte saíram de R$ 61,5 bilhões em 2011 para R$ 78,4 bilhões em 2013. As despesas com auxílio-doença subiram de R$ 15,5 bilhões para R$ 19,4 bilhões no mesmo período.

Mudanças nas regras de concessão do seguro-desemprego e das pensões começaram a ser discutidas no governo em 2011, mas acabaram engavetadas no ano passado, diante da resistências das centrais sindicais ou por determinação da própria Dilma, como no caso da Previdência.

A Fazenda propôs, por exemplo, elevar de 16 meses para até 36 meses o intervalo para que o trabalhador demitido possa receber o seguro-desemprego, mas a proposta foi vetada pelas Centrais e não teve apoio do Ministério do Trabalho. Também foi cogitado reduzir o número de parcelas (cinco) e o valor para quem recorre ao auxílio com frequência. No caso do abono, a ideia que o benefício fosse dado apenas aos trabalhadores que recebem um salário mínimo (atualmente, são dois). Mantega se reuniu com representantes das centrais mais de uma vez.

Mas, diante da falta de consenso, o ministro anunciou em outubro do ano passado que o governo iria apenas obrigar o trabalhador a fazer curso de qualificação, nos casos em que o benefício for requerido duas vezes dentro de dez anos. A exigência anterior era três vezes. A medida não resultou em redução de despesas.

Em 2011, técnicos da Fazenda e da Previdência chegaram a apresentar uma proposta para alterar a concessão de pensões no país, o único onde o benefício é integral e vitalício, independentemente da idade dos viúvos e do número de dependentes. Entre as principais mudanças, foram sugeridas a fixação de carência de 24 meses; a exigência de dois anos de casamento; o fim da pensão vitalícia; e passar o benefício de integral (100%) para 50%, mais 10% por dependente.

'Corte de gastos sempre desagrada'

O assunto chegou a ser discutido em 2012 em uma reunião entre Mantega e o ministro da Previdência, Garibaldi Alves, com líderes partidários no Congresso, durante os debates sobre o fim do fator previdenciário. Em 2013, houve nova reunião no Palácio, coordenada pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, com a participação dos ministros do Trabalho, da Previdência e das centrais. Mas Dilma determinou o fim das discussões.

O ministro da Previdência, um dos principais defensores da reforma, não tocou mais no assunto. O ministério tem pronto um projeto para investir na reabilitação e reintegração dos trabalhadores afastados, a fim de reduzir os gastos com auxílio-doença e invalidez. Mas a proposta não saiu do papel por falta de empenho das diversas áreas de governo.

Para Marcelo Caetano, especialista em Previdência e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o crescimento na arrecadação nos últimos anos permitiu ao governo manter os gastos com benefícios em patamar elevado. Mas isso mudou, e agora o país precisa ajustar suas contas. Caetano, porém, tem dúvidas sobre o avanço das reformas, diante do custo político.

Economistas e consultores ouvidos pelo GLOBO lembraram que o governo mantém, há algum tempo, o discurso de reduzir gastos, sem ter apresentado medidas eficazes.

- Até agora não foram apresentados os caminhos de como as medidas serão implementadas, onde serão feitos os cortes - disse o professor do departamento de Economia da PUC-Rio e sócio da consultoria Opus José Márcio Camargo, lembrando que mexer nos gastos com pensões, abono e seguro-desemprego pode reduzir a transferência de renda.

Para o analista de macroeconomia e politica da consultoria Tendências, Rafael Cortez, o governo procura sinalizar para o mercado um corte de gastos por pressão dos agentes financeiros:

- Corte de gastos sempre desagrada a grupos políticos, econômicos, minorias. É um processo complicado. Por isso, o governo acaba optando por reduzir o investimento, diminuindo o potencial de crescimento da economia. E assim ficamos nesse círculo vicioso. Assim, o governo sinaliza que está neste caminho (do corte de gastos), mas sem anunciar quais medidas vai tomar.