A gastança de dinheiro público já ultrapassou, e muito, a capacidade do governo de honrar seus compromissos. Mas, além de aumentar despesas com a máquina estatal, o setor público também viu a conta com os juros aumentar para patamares nunca antes vistos. Dados do Banco Central (BC) mostram uma situação preocupante para o país. De janeiro a setembro deste ano, o desembolso de estados, de municípios, do Distrito Federal e da União com encargos financeiros chegou a R$ 209,1 bilhões — quase três vezes maior do que o valor gasto 12 anos atrás, de R$ 72,3 bilhões, no mesmo período de 2002.

A dinheirama representa oito vezes o orçamento anual do Bolsa Família, de R$ 25 bilhões, e corresponde a 5,53% do Produto Interno Bruto (PIB), nível normalmente visto em países em crise. Como os gastos públicos com obras e despesas da máquina estatal têm aumentado a um ritmo maior do que a arrecadação tributária, significa dizer que tão cedo o governo não conseguirá saldar o principal da dívida, mas apenas parte dos juros.

O governo tem duas formas de contabilizar o desempenho fiscal. Na conta mais abrangente, chamada de resultado nominal, listam-se todas as obrigações, como pagamentos de salários e despesas com a máquina administrativa, além da conta de juros. Durante a primeira campanha ao Palácio do Planalto, em 2010, a então candidata Dilma Rousseff assumiu o compromisso de entregar um saldo positivo nessa conta. Mas, com a economia mais fraca, passou a gastar mais, para estimular o crescimento. Com isso, o deficit nominal triplicou, saltando de R$ 93,6 bilhões, ao fim do governo Lula, para R$ 249,7 bilhões, no acumulado em 12 meses até setembro de 2014.

Sem conseguir equilibrar essa conta, restou ao governo contabilizar o esforço fiscal por uma metodologia mais favorável, chamada de resultado primário. Nela, excluem-se todos os gastos financeiros, como empréstimos e juros pagos aos detentores de títulos da dívida pública. A meta para 2014 era economizar 1,9% do PIB, ou R$ 99 bilhões. Em nove meses, porém, acumulou-se um saldo negativo de R$ 15,7 bilhões — o pior resultado desde 1997.

Rombo
O número é tão ruim que o governo deu o braço aos analistas que já vinham apontando o fiasco, e admitiu, pela primeira vez no ano, que não conseguirá cumprir a meta para 2014. Até o fim do mês, o Executivo encaminhará ao Congresso Nacional uma proposta para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). No documento, terá de dizer não apenas que fracassou em alcançar o objetivo, mas indicar de onde sairão os recursos necessários para cobrir o rombo. 

O economista Viníncius Botelho, pesquisador associado de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), tem uma pista de como o governo conseguirá o dinheiro extra: do bolso do contribuinte. “O Brasil já tem uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo, mas, por causa da arrecadação ruim e do aumento de gastos, terá de elevá-la ainda mais, de modo a compensar o fraco resultado fiscal do ano”, prevê o especialista.

Para Botelho, o melhor seria reduzir as despesas públicas, de modo a ampliar o esforço fiscal sem aumentar a carga tributária. “A gente teve um comprometimento muito forte do resultado fiscal, em função de políticas adotadas para estimular a demanda interna, como desonerações de impostos de consumo e de tributos sobre a folha de pagamentos, sobretudo para a indústria. Além disso, boa parte das receitas arrecadadas são extraordinárias, o que reduz a qualidade do esforço fiscal”, assinalou. 

São medidas que, além de não terem surtido o efeito esperado, uma vez que o crescimento interno desabou, contribuíram para reduzir a transparência das contas públicas. Diante de tantas medidas pouco usuais nas contas públicas, bancos e consultorias passaram a calcular não mais o resultado nominal ou primário, mas o recorrente — que exclui as receitas extraordinárias, usadas para dar à contabilidade pública uma saúde artificial. 

O Itaú Unibanco calcula que, em vez de superavitário, o resultado recorrente será negativo em 0,3% do PIB neste ano. “Essas projeções contam com uma desaceleração das despesas discricionárias (aquelas que o governo pode decidir de realiza ou não) nos últimos meses do ano, alguma recuperação na arrecadação tributária e cerca de R$ 20 bilhões de receitas não recorrentes no último trimestre”, explicou o economista Luka Barbosa, em análise enviada a clientes do banco. 

Não por outro motivo, emenda Natália Cotarelli, economista do BI&P Indusval & Partners, será necessário não só equilibrar as contas públicas, mas também aumentar a clareza das ações, de modo a dissipar as incertezas sobre a política econômica. “O mercado exige não só uma transparência maior, mas uma poupança maior também”, refletiu.

Selic pressiona
A elevação da taxa básica de juros (Selic), de 11% para 11,25% ao ano, na semana passada, representa uma despesa adicional ao governo. A Selic é um dos principais parâmetros para as taxas dos títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional. “Se a taxa de juros sobe, além do deficit primário, você tem um outro fator de pressão da dívida, que é o gasto com juros”, explicou o especialista em contas públicas Raul Velloso. Na prática, o Tesourojá paga juros maiores do que a Selic. Em muitas operações, os encargos passam de 13%.

 

 

De olho na Fazenda

 

 

O mercado financeiro amanheceu ontem inquieto com as especulações sobre quem será o substituto de Guido Mantega no Ministério da Fazenda, um dos cargos mais cobiçados do primeiro escalão do novo governo da presidente Dilma Rousseff. Principal rival de Mantega no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, viu seu nome ganhar força depois da notícia de que Luiz Carlos Trabuco, comandante do segundo maior banco brasileiro, o Bradesco, teria rejeitado o convite feito por Dilma. O novo nome não deverá ser anunciado antes do dia 15, quando a presidente viaja com Mantega à Austrália para a reunião do G 20, para evitar constrangimentos ao atual titular da pasta. 

Um analista do mercado financeiro que pediu anonimato informou ao Correio que Meirelles teria dito a amigos mais próximos que aceitou o convite. Procurada, a assessoria de imprensa do ex-presidente do BC disse que ele não comentaria o assunto. "É uma boa notícia para o mercado, pois trata-se de uma pessoa com perfil sênior para o cargo. Isso vai dar mais credibilidade à pasta porque Meirelles é uma pessoa que consegue dialogar com o mercado", comemorou a fonte, destacando que o novo titular da Fazenda terá a missão de resgatar a confiança dos investidores. "Se ele (Meirelles) aceitou o convite (para chefiar a Fazenda), imagino que ele negociou ter autonomia para agir, o que será bastante positivo", emendou o economista. 

Meirelles, ao lado de Trabuco, foi um dos três nomes indicados pelo ex-presidente Lula para chefiar Fazenda, que é de domínio do PT. Dilma, porém, não simpatiza com ele. Para fontes do mercado, no entanto, o perfil de Meirelles é melhor que o de Nélson Barbosa, ex-secretário executivo da pasta. "Ele tem boa sensibilidade, mas é preciso alguém mais experiente, como Meirelles", disse a fonte. 

Bolsas 
A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) fechou ontem em queda de 1,25% e o dólar subiu 0,88%, voltando ao patamar de R$ 2,50. Os dois movimentos foram fortemente influenciados pelas especulações sobre a nomeação do próximo ministro da Fazenda. Tanto a informação de recusa de Trabuco quanto a incerteza sobre a indicação de Meirelles tiveram efeito negativo. "A expectativa que se construiu na semana passada, a partir da elevação da Selic, foi de que a condução da política econômica seria alinhada ao mercado. Agora, há uma certa estagnação nesse processo", afirmou Sandra Peres, da corretora Coinvalores. (PSP)

 

Projeção de crescimento menor

 

A expectativa de crescimento do país para este ano caiu ainda mais. De acordo com o boletim Focus, do Banco Central (BC), as projeções de economistas de instituições financeiras para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano é de 0,24%. Na semana passada, era 0,27%. Para 2015, manteve-se inalterada em 1%. 

No caso do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a expectativa manteve-se em 6,45% neste ano. Para 2015, subiu 0,02 ponto, para 6,32%. A Selic, segundo os economistas de bancos, deverá encerrar este ano em 11%, ou seja, haverá queda na taxa na reunião de dezembro do Copom. Para o próximo, ficou em 12%, ante os 11,5% da semana anterior. Na quinta-feira passada, o BC surpreendeu ao elevar os juros básicos de 11% para 11,25%. 

Segundo o economista José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e sócio da Opus Investimentos, fatores com sinais opostos afetam atualmente as expectativas de mercado. Até sexta-feira, quando foi feita a pesquisa do Focus, ainda pesavam positivamente as perspectivas de uma política mais ortodoxa no próximo governo, depois da alta surpreendente dos juros na quinta-feira. 

Ontem, esse movimento foi em parte revertido com a indefinição para a escolha do nome para o Ministério da Fazenda. Esse fator, assinalou Camargo, soma-se a outros que já estão no horizonte, como os deficits gêmeos: de conta corrente e das contas públicas. Só em setembro, o rombo ficou em R$ 25,5 bilhões.