BRASÍLIA Sem condições políticas de permanecer no governo depois de ter apoiado o "Volta, Lula" e isolada no PT, a ministra Marta Suplicy (Cultura) surpreendeu o Planalto ao se antecipar e formalizar ontem seu pedido de demissão, no momento em que a presidente Dilma Rousseff está em viagem ao exterior. Em carta entregue na Casa Civil, a petista faz críticas veladas à política econômica, deseja o "resgate da confiança e da credibilidade" do governo e reclama do orçamento de sua pasta. Com o modelo escolhido de anúncio, a critica à política econômica do governo e a divulgação da carta, Marta transformou sua saída do Ministério em um pensado ato político que sinalizou sua saída do PT e irritou o partido e o entorno da presidente Dilma Rousseff.

No Palácio do Planalto, a data escolhida, a forma e, principalmente, o teor da carta causaram "perplexidade". Auxiliares da presidente lembraram que Dilma estava em Brasília até o meio da tarde de anteontem, e que a praxe seria a ministra pedir demissão no dia anterior. Marta não só entregou sua carta de demissão com Dilma fora do país, como também não esperou que ela fosse divulgada pelo Planalto, como é o costume. Logo depois de protocolar a carta na Casa Civil, a ministra repassou seu conteúdo para a colunista Sônia Racy, do jornal "O Estado de S. Paulo", e , em sua página no Facebook, colocou o link para a matéria do jornal, confirmando a demissão. Auxiliares de Dilma classificaram que o tom da carta também foi deselegante e desnecessário.

— Pegou mal — avaliou um interlocutor da presidente.

"Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país. Isto é o que hoje o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera", diz a ministra na carta dirigida à presidente.

Um dia antes, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, tinha acusado o governo Dilma de deficiência no "diálogo com os principais atores na economia e na política".

Na bancada do PT, no Senado, a avaliação é que Marta terá dificuldade em conquistar espaços na Casa. Dificilmente terá algum cargo de relevância em comissões, já que o governo ficou muito irritado com sua atitude.

O gesto de Marta foi interpretado como um primeiro passo para sair do PT. Ela já estaria se aproximando do PMDB, através do presidente em exercício, Michel Temer.

Lideranças petistas afirmavam ontem que Marta pode deflagrar desde já o processo de disputa interna pela candidatura para a prefeitura de São Paulo, com o objetivo de gerar uma crise que justifique legalmente sua saída do PT. Assim, ela poderia preservar seu mandato de senadora, já que, pela regra da fidelidade partidária estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral, o mandato pertence ao partido, a menos que haja justa causa, como "grave discriminação pessoal".

Na semana passada, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, sugeriu aos ministros que colocassem seus cargos à disposição da presidente para deixá-la à vontade na reforma ministerial. Mercadante disse que ele próprio fará isso. A Casa Civil, no entanto, não está disparando telefonemas para os ministérios para que os titulares das pastas façam o mesmo. Até ontem, dois ministros haviam seguido a recomendação e colocado seus cargos à disposição: Clelio Campolina (Ciência e Tecnologia) e Thomas Traumann (Comunicação Social). A presidente viu a sugestão de Mercadante como uma gentileza, mas afirmou que se sente à vontade tanto para nomear ministros como para demiti-los.

Outro que teria recebido o recado de Mercadante é o ministro Edison Lobão (Minas e Energia), do PMDB, cuja saída do governo é dada como certa depois de ter seu nome citado na delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, preso na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. Lobão nega envolvimento no suposto esquema de desvio de dinheiro.

Nem todos os ministros, porém, teriam sido procurados por Mercadante. Esse é o caso do ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência), que já manifestou o desejo de deixar a função e ocupar um cargo de segundo escalão. Ele diz estar cansado, após 12 anos no governo.

— Sinceramente, acho desnecessária a carta, porque o cargo pertence à presidente, e, a qualquer momento, ela pode dispensar nosso trabalho nessa função (...). Mas, por outro lado, se houver um acordo coletivo para um gesto como esse, claro que participarei sem nenhum problema — afirmou Carvalho.

Em audiência pública ontem, na Câmara dos Deputados, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, foi perguntada pela senadora Ana Amélia (PP-RS) se foi convidada por Dilma para permanecer no cargo a partir de 2015. Miriam desconversou e disse que a presidente está pensando sobre sua futura equipe na viagem à Austrália, onde participará de reunião de líderes do G20:

— A presidente vai aproveitar sua ida ao G20, na Austrália, para ver coalas e cangurus. Enquanto isso, vai refletir sobre o xadrez que ela precisa montar em relação ao seu ministério.

A advogada Rita Sipahi, que foi presa com a presidente Dilma Rousseff durante a ditadura, deverá ser a nova ministra da Secretaria da Política para as Mulheres. Rita vai substituir outra colega de cela de Dilma, Eleonora Menicucci, que deverá virar ministra da Secretaria dos Direitos Humanos. Rita é conselheira da Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça. Militante do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PTR), que ajudou a fundar, e da Ação Popular (AP) durante a ditadura, ela ficou onze meses presa, em 1971, na Torre das Donzelas, no presídio Tiradentes, em São Paulo, onde contou ter sido torturada.

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Projeto de Marta Suplicy é disputar prefeitura de São Paulo

SÃO PAULO - A demissionária ministra da Cultura, Marta Suplicy, de 69 anos, não esconde que deseja ser candidata a prefeita de São Paulo em 2016. Já teria avisado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que está disposta, inclusive, a disputar prévias com o atual prefeito Fernando Haddad. O problema é que o PT trabalha para que Haddad dispute a reeleição e hoje essa tendência é majoritária no partido, segundo o presidente municipal do PT, Paulo Fiorilo. Sabendo dessa disposição do PT, Marta estaria cogitando até deixar o partido para disputar a prefeitura.
 

A disposição de lutar pela candidatura à prefeitura de São Paulo se consolidou com a derrota do ex-ministro Alexandre Padilha ao governo de São Paulo, com pífios 18% dos votos, amargando um terceiro lugar, numa eleição vencida com facilidade pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). No começo do ano, Marta queria ser a candidata ao governo, mas foi convencida por Lula de que teria que ceder a vez para Padilha. Lula errou na escolha do nome, e Marta achou que poderia ter feito melhor.

A ex-ministra considera ter um potencial de votos maior do que qualquer outro petista e que teria chances de voltar à prefeitura, que já administrou de 2001 a 2004, embora não tenha conseguido se reeleger, derrotada pelo tucano José Serra.

Se depender dos petistas, no entanto, essa disposição de Marta não terá eco no partido. Paulo Fiorilo diz que o PT entende que a reeleição de Haddad “é fundamental” para o projeto do partido em São Paulo.

— Marta é um grande quadro, mas, neste momento, o mais correto para o PT é a reeleição do prefeito Haddad. A avaliação do prefeito vem melhorando, ele vem dialogando bem com a população e o mais natural é a sua reeleição — disse Fiorilo, para quem o objetivo do partido é que o processo da reeleição seja obtido por consenso, sem prévias, como desejaria Marta.

Marta não está obtendo apoio nem entre os vereadores historicamente ligados a ela, como Antonio Donato e José Américo, que foram seus secretários na prefeitura. Ontem, esses vereadores divulgaram uma nota oficial dizendo que apoiam a reeleição de Haddad.

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Tiro ao alvo em Dilma

 

Desconstruindo o episódio da saída de Marta Suplicy do Ministério da Cultura:

Ela e Dilma nunca se deram bem. Dilma tolerava Marta, indicada para o cargo por Lula. Marta tolerava Dilma porque não tinha outro jeito. Ou melhor: tinha, caso ela quisesse retornar ao Senado, para onde foi eleita. Mas ela não queria retornar. Retorna porque não tem outro jeito.

Marta foi uma das estrelas do PT que mais se bateram pela candidatura de Lula a presidente, este ano. Não escondeu seu empenho. Dilma viu e não gostou. Se Marta não tivesse pedido demissão, acabaria demitida.

Por que Marta não esperou para sair junto com outros ministros que sairão do governo? Porque não queria que sua saída se misturasse com as deles. Saindo antes, ganharia mais espaço na mídia.

Marta mandou sua carta de demissão depois que Dilma viajou ao exterior para não ter que entregá-la pessoalmente. Queria evitar o último contato com a presidente na condição de sua subalterna. E marcar publicamente sua insatisfação.

Para completar, Marta incluiu um parágrafo venenoso em sua carta de demissão. Nele, deseja que Dilma escolha uma equipe econômica independente e de experiência comprovada. Isso quer dizer que a atual não é. E por que não é? Por culpa de Dilma, que não delega poderes.

De resto, uma equipe econômica independente ajudará o governo a resgatar a confiança e a credibilidade que lhe faltam, sugere Marta na carta. Quer crítica mais direta a Dilma? Anteontem, foi outro ministro, Gilberto Carvalho, quem criticou Dilma. De forma mais direta.