Dona de uma panificadora em Ceilândia, Edna Silva Ferreira, de 45 anos, assustou-se ao notar a fatura de energia R$ 600 mais cara do que costumava pagar. A conta, que girava em torno dos R$ 3,5 mil, saltou para R$ 4,1 mil de um mês para o outro. “Nos 15 anos que tenho o comércio, nunca vi um reajuste tão violento, nem quando aumentei o número de freezers na padaria”, conta. O espanto, infelizmente, não foi só de Edna. A maioria dos consumidores já sentiu no bolso os efeitos da maior crise do setor elétrico. E a alta recente da conta de luz é só uma prévia do que está por vir em 2015.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou reajustes para quase todas as distribuidoras do país. Apenas cinco concessionárias ainda aplicarão aumentos até o fim do ano. A maior alta, para consumidores de cidades do interior de Roraima, chegou a 54%. Na média, as elevações ficaram entre 25% e 30%. No Distrito Federal, a Companhia Energética de Brasília (CEB) recebeu autorização para elevar a conta em 28,11%, mas, por decisão política, reajustou em 18%. O restante ficou para 2015.
E, para muitos, a conta aumentou bem mais que os 18% da média. “Eu pagava entre R$ 98 e R$ 100. Este mês, a fatura chegou a R$ 250”, lamenta a aposentada Georgina Antônia da Silva, 65 anos, dona de um mercado de verduras em Ceilândia. “Até este poste de luz aí, eu pagava R$ 18 e agora pago R$ 30”, conta, apontando para a iluminação pública. Conforme a CEB, a conta de Georgina pode ter mudado de faixa de consumo. Assim, ela passou a pagar mais pela taxa de iluminação pública.
A aposentada diz que não aumentou o consumo. Pelo contrário, passou a adotar medidas para reduzir o gasto com energia. “Desligo os freezers do mercado à noite. Só a geladeira de casa fica ligada direto”, garante. Com o aumento na conta de luz, o negócio está se tornando inviável. “Eu mantenho o comércio aberto para não ficar sem fazer nada, mas o custo é alto demais”, diz. Não fosse o dinheiro que recebe da aposentadoria, Georgina não conseguiria arcar com os R$ 400 que paga mensalmente apenas com a conta de água e luz. “Infelizmente, não está sobrando muito para viver”, lamenta.
Decepção
Dono de uma banca de revistas em Ceilândia Centro, José Carlos de Almeida também se assustou ao ver a fatura. “De um mês para o outro, a conta passou de R$ 56 para mais de R$ 100”, emenda. Ele diz que o reajuste começou a comprometer o parco lucro que tinha no negócio. “Estou ganhando menos e gastando mais em casa. Lá, a conta de luz também subiu”, reclama.
A mesma decepção com o custo da energia fez Maíra Araújo Barbosa, 32 anos, desistir de alugar cômodos nos fundos de casa, também localizada em Ceilândia. “A gente fez dois barracos para alugar, mas cobrava R$ 400 com luz e água incluídos. Agora não dá mais. Os dois estão vazios. Vamos tentar negociar com o próximo inquilino, para ver se ele aceitará dividir as despesas conosco”, diz.
Maíra está desempregada há um ano. No período, o marido, adestrador de cães, passou a arcar com as despesas da casa. “Nós trocamos a fiação e eu reclamei do medidor de energia. Estamos tomando banho frio. Eu desligo a televisão e apago tudo para economizar e, mesmo assim, a fatura veio maior. Vamos atrasar outras contas para pagar a energia. O pior é que ano que vem tem mais”, lamenta.
Maíra tem razão. A partir de janeiro de 2015 será implantado o sistema de bandeiras tarifárias, que implicará em mais aumentos. Dependendo das condições de geração de energia, as tarifas serão majoradas de R$ 1,50 a R$ 3 a cada 100 quilowatts consumidos.
Os encargos também ficarão mais altos. A falta de chuvas levou os reservatórios de água aos níveis mais baixos desde 2001, ano do racionamento. Isso obrigou o sistema a gerar energia termelétrica, a mais cara do mercado. A conta do despacho térmico de 2013 e 2014 também ficou para 2015 e será rateada entre todos os consumidores, via encargos. Outra fatura que começa a vencer no ano que vem é a dos empréstimos de R$ 18 bilhões feitos às distribuidoras. Com juros, conforme o Tribunal de Contas da União, os brasileiros vão pagar R$ 26,6 bilhões entre 2015 e 2017 para saldar a dívida.
Nos cálculos dos especialistas, todos esses custos extras vão resultar em reajustes de 25% nas tarifas de energia a partir de 2015, além dos aumentos anuais que são concedidos pela Aneel. Para complicar, o Brasil ainda não está livre de um racionamento. As chuvas precisam ser torrenciais para colocar o sistema elétrico brasileiro de volta nos trilhos, sob pena de faltar energia.
Analistas e instituições como o Bank of America Merrill Lynch apontam que o risco de racionamento aumentou para 2015, com a hidrologia ainda em condições ruins e aumento na demanda. O único setor da economia que não elevou o consumo de energia foi a indústria, em recessão. “Ano que vem o preço vai continuar alto, afetando tanto o consumidor residencial, quanto o industrial”, alerta Thais Prandini, diretora da consultoria Thymos Energia.
Acordo para troca de moeda.
Brasil e Uruguai fecharam acordo para incentivar o comércio bilateral em moedas locais, o que permitirá a exportadores e a importadores dos dois países reduzirem custos com contratos de câmbio feitos em dólar. Um convênio para a criação do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) foi assinado na última sexta-feira, durante reunião de presidentes de bancos centrais da América do Sul, realizada em Lima, no Peru. O mecanismo permitirá pagamentos de aposentadorias e pensões em moeda local, além do envio de remessas de pequeno valor. O sistema entrará em vigor em 1º de dezembro
Indústria terá gasto extra de R$ 10 bi
Os efeitos da conta de luz mais cara atingem desde o consumidor residencial, que paga a tarifa social subsidiada, até as grandes indústrias, com uso intensivo de eletricidade para produzir. Até 2018, o gasto apenas das indústrias associadas à Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) com o insumo será de R$ 20 bilhões. Significa um custo extra de 47% em relação ao valor médio pago nos últimos quatro anos. Para todo o setor industrial, o impacto adicional será de 22% no período, o equivalente a R$ 40 bilhões até 2018, ou R$ 10 bilhões por ano.
O peso maior será sentido pelas empresas que atuam no mercado livre, que terão de desembolsar R$ 32 bilhões a mais no período, diz a coordenadora de Energia da Abrace, Camila Schoti. Ela destaca que os setores que mais consomem energia, como produtores de alumínio, siderúrgicas e petroquímicas, são os mais impactados, pois a energia representa 40% do custo de produção desses segmentos.
São indústrias duas vezes prejudicadas. “Se, agora, essas empresas serão mais afetadas pelo aumento nos gastos, quando houve a queda nos preços de energia, por ocasião da MP 579 (medida provisória que mudou o marco regulatório do setor), elas também se beneficiaram menos, pois tiveram redução média de 7% na conta, enquanto que o conjunto de todos os consumidores teve queda de 20%”, conta.
Já há indústrias que preferem vender energia no mercado livre, que têm preços maiores, do que usar o insumo para aumentar a produção, ressalta Camila. A reversão desse cenário de preços elevados, explica, passa pela implantação de uma política que considere a energia como um fator de política industrial, “como ocorre em países que competem com o Brasil”, reforça.
Exemplo
Estudo da Abrace mostra que a França destina energia nuclear amortizada para os grandes consumidores industriais. Na Alemanha, há desconto nas tarifas de transmissão, a exemplo do que também faz o Canadá, que disponibiliza energia mais barata para o setor. “Enquanto isso, no Brasil, teremos custos adicionais”, lamenta Camila.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz que a MP 579 foi benéfica para o setor, mas aponta dificuldades recentes, como falta de chuvas, que reduziram a capacidade de reservatórios e levaram a um gasto mais elevado com usinas térmicas. A saída emergencial para a indústria, diz Wagner Cardoso, gerente executivo de Infraestrutura da CNI, é aumentar a eficiência energética nas práticas de produção. “Os aumentos serão inevitáveis porque o país vai ter que continuar usando praticamente 100% das termelétricas. Mas, se o governo não tivesse editado a MP 579, seria pior”, defende.
A CNI sugere uma resposta imediata do problema pelo governo. “É preciso melhorar a situação do consumidor livre. Ele não foi contemplado com a MP 579”, diz Cardoso, reforçando que as próximas medidas têm de atender a todos “de forma igual”. A entidade também defende que os leilões de energia sejam regionais e por fonte. Isso porque a transmissão também tem custo, e uma geração por meio de biomassa, que é mais cara, pode se tornar mais barata se for realizada numa região próxima ao centro consumidor. “Por isso, a questão regional nos leilões é importante”, explica.