O governador eleito Rodrigo Rollemberg (PSB) ainda está a dois meses de assumir o mandato e já tem motivos para se preocupar com a Câmara Legislativa. Propostas em tramitação ou aprovadas pela Casa têm forte potencial de dificultar o cumprimento a curto prazo de metas apresentadas pelo socialista na campanha, como a redução no número de secretarias e de cargos comissionados. Projetos em tramitação também podem retirar parte da autonomia do Executivo a partir do próximo exercício financeiro, o primeiro ano da administração do novo chefe do Executivo.

Na última quinta-feira, Rollemberg teve um encontro a portas fechadas com o presidente da Câmara Legislativa, Wasny de Roure (PT). Além da cortesia na reunião e do estreitamento nas relações, o futuro governador ouviu do petista um panorama a respeito das propostas em andamento na Casa. Se, por um lado, Rollemberg ficou satisfeito com a notícia da retirada do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília e da Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos) da pauta, por outro, descobriu que também pode ter dissabores em breve. Movimentos dos distritais indicam que está em curso uma manobra de fortalecer a Câmara para tentar ampliar o poder de barganha do Legislativo em relação à formação do próximo governo.

Entre os temas em debate, há duas propostas distintas que podem atingir a intenção de Rollemberg de entrar em 1º de janeiro de 2015 com uma nova estrutura relacionada a número de secretarias e cargos comissionados, definida por decreto. Um dos projetos apresentados é de autoria do deputado distrital Alírio Neto (PEN), protocolado neste ano, em meados de outubro. O projeto, já aprovado pela Câmara, em dois turnos, obriga o governo a enviar à Casa todo projeto de criação ou extinção de cargos e órgãos públicos. 

Rollemberg ficaria, assim, obrigado a consultar os deputados no início do ano sobre qualquer alteração que fosse fazer na máquina pública. Alírio conseguiu atrair para o seu projeto de lei as assinaturas dos colegas Chico Vigilante (PT), que já antecipou oposição ao governo Rollemberg, e Joe Valle (PSB), que integra a base do futuro governador, mas tem feito um discurso de autonomia do Legislativo em relação ao Executivo. Essa tese, aliás, faz parte da defesa central da proposta do distrital do PEN. Trecho da justificativa do documento diz: “(intenção é) resguardar as prerrogativas do poder”. O projeto, para entrar em vigor, depende de sanção do atual governador, Agnelo Queiroz (PT).

No mesmo dia em que o projeto de lei de Alírio foi a plenário, num movimento contrário, Celina Leão (PDT), aliada de Rollemberg, propôs a retirada da gaveta de um Projeto de Emenda à Lei Orgânica (Pelo) — número 26, de 2011 — que tramita há quatro anos. O detalhe: essa proposta também obriga o Executivo a enviar ao poder vizinho, para apreciação, a criação de estruturas administrativas e cargos, mas somente nas situações em que a medida acarretar aumento de despesa. “Criar ou extinguir órgãos sem criar gastos é naturalmente função do Executivo. Nossa proposta adequa a Lei Orgânica à Constituição”, disse a distrital ao Correio.

Mudanças à vista

Propostas da Câmara Legislativa podem reduzir autonomia do Executivo e criar dificuldades para o futuro governo. Confira detalhes abaixo:

Projeto de Emenda à Lei Orgânica nº 26, de 2011
» Autoria: Celina Leão (PDT).
» Data de protocolo: 5/10/2011.
» O que é: adequa Lei Orgânica à Constituição Federal. Tira do governador o poder de, por decreto, extinguir secretarias e órgãos e criar as mesmas estruturas, quando isso implicar aumento de despesa. Modificações na máquina administrativa passam a depender, obrigatoriamente, de envio ao Legislativo.
» Situação: aprovado em 1º turno. Pode ser apreciado na sessão de amanhã.
Como passa a ter valor: é promulgado, ou seja, aprovado pela Câmara Legislativa. Não precisa passar pela sanção governamental.

Projeto de Lei nº 2.036, de 2014
Autoria: Alírio Neto (PEN).
Data de protocolo: 15/10/2014.
O que é: revoga trechos de uma lei de 1999. Tem objetivos parecidos com o Pelo acima. Tira do governador o poder de, por conta própria, criar e extinguir cargos, secretarias e órgãos (como administrações regionais). Para fazer isso, o Executivo precisará enviar projeto de lei à Câmara e submeter à avaliação dos deputados distritais.
Situação: aprovado em 1º e 2º turnos e publicado no Diário da Câmara Legislativa em 30 de outubro. 
Como passa a ter valor: depende do governador (sanção ou veto). Se for vetado, volta à Câmara.

 

Menos autonomia orçamentária

 

Celina: mudanças sem gastos não passam pela Casa

Além das mudanças nas regras para extinção de cargos e de secretarias, o governador eleito, Rodrigo Rollemberg (PSB), pode ter uma redução significativa na autonomia financeira. A Proposta de Lei Orçamentária Anual, enviada pelo Executivo e que tramita na Câmara Legislativa, prevê que o Governo do Distrito Federal poderá movimentar livremente, sem consultar o Legislativo, 25% de R$ 30 bilhões do Orçamento do ano que vem (que é de R$ 37,3 bilhões no total — ver quadro abaixo). Mas, a tendência é de que essa autonomia seja limitada a 20%. 

A redução de R$ 7,5 bilhões para R$ 6 bilhões no direito de mexer no Orçamento por decreto já significa um grande impacto para o governo. Há ainda uma iniciativa por parte de um grupo de deputados trabalhando para reduzir essa margem de liberdade orçamentária para 15%, o que representa cerca de R$ 4,5 bilhões. Uma emenda já foi apresentada à PLoa com essa indicação. A justificativa: dar mais autonomia aos deputados. 

Joe assinou projeto que dá poder aos deputados

Em 2012, o governo tentou estabelecer a proporção em 25% para o ano seguinte, mas a ideia foi barrada pelos parlamentares. Ficou em 20%. Em 2013, na elaboração da nova proposta orçamentária, o Executivo novamente colocou 25% e, na oportunidade, conseguiu aprová-la. É o que valeria para 2015. O governo justifica que essa medida dá mais agilidade ao governador para transferir rapidamente recursos com destino a áreas onde há necessidade, como pagamento de servidores e prestadores de serviços. 

O futuro governador terá de mobilizar sua base na atual composição da Câmara Legislativa para tentar barrar a redução, caso não queira enfrentar mais dificuldades no próximo ano. Afinal, as questões financeiras estão no topo de suas preocupações. Na semana passada, no primeiro encontro oficial com o governador Agnelo Queiroz para tratar da transição, Rollemberg expôs as dúvidas sobre a real situação das finanças públicas. A equipe do futuro governo espera ter um diagnóstico mais claro nos próximos dias.

Alírio defende fortalecimento do poder da Câmara

O Correio apurou que o tema, aliás, faz parte dos primeiros pedidos de informações que serão entregues hoje ao atual governo pela equipe de transição de Rollemberg. O grupo, coordenado pelo jornalista Hélio Doyle, passou o fim de semana preparando os questionamentos sobre orçamento, pagamentos, contratos e dívidas em aberto e futuras. O documento deve ser entregue por Doyle hoje a um interlocutor do governo Agnelo, possivelmente o secretário-chefe da Casa Civil, Swedenberger Barbosa, que coordena a equipe do atual governo ao lado do secretário de Planejamento e Orçamento, Paulo Antenor de Oliveira. (AM)

Dinheiro para 2015

Local: R$ 29,46 bilhões*
Estatais: R$ 1,43 bilhão
Fundo Constitucional**: R$ 6,41 bilhões
Orçamento total: R$ 37,3 bilhões