Depois de anunciar a criação de uma diretoria de governança na Petrobras, a presidente da empresa, Graça Foster, admitiu ontem pela primeira vez que foi informada pela empresa SBM Offshore que funcionários da empresa receberam propina da companhia holandesa. Foster deu entrevista coletiva ao lado do diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Consenza. Em depoimentos dos últimos 23 presos na Operação Lava-Jato, delegados revelaram que Consenza foi citado como beneficiário do esquema de corrupção na petrolífera nos depoimentos do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. 

É a primeira acusação que atinge diretamente um integrante da atual diretoria da empresa. “Paulo Roberto e Alberto Youssef mencionaram o pagamento de comissões pelas empreiteiras que mantinham contratos com a Petrobras para si, para os diretores (Renato) Duque, (Nestor) Cerveró e Cosenza e para agentes políticos, confirma?”, questionaram delegados da PF a pelo menos quatro dos 23 presos na última sexta-feira. Até então, apenas as citações a Duque e Cerveró eram conhecidas. Os presos negaram saber do pagamento de comissões.

Em depoimento à CPMI da Petrobras, em outubro, Consenza negou ter ouvido falar de desvios na empresa. “O diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza, nega, veementemente, as imputações de que tenha recebido “comissões” de empreiteiras contratadas pela Petrobras, ao tempo que reafirma que jamais teve contato com Alberto Youssef”, manifestou-se o substituto de Costa, por meio da assessoria de imprensa.

Propina
Depois de diretores da Petrobras negarem a informação de que a empresa apurou o pagamento de propina pela SBM Offshore, Graça Foster admitiu ontem que houve o crime. “Passadas algumas semanas, alguns meses (da investigação interna), fui informada de que havia, sim, pagamentos de propina para empregado ou ex-empregado de Petrobras. Imediatamente, e imediatamente é ‘imediatamentemente’, é que informamos a SBM de que ela não participaria de licitação conosco enquanto não fosse identificada a origem, o nome de pessoas que estão se deixando subornar na Petrobras. E é isso que aconteceu. Tivemos uma licitação recente, para plataformas nos campos de Libra e Tartaruga Verde, e a SBM não participou.”

Foster disse, no entanto, que a Petrobras não sabe quanto foi pago pela empresa a funcionários da empresa. Pelo acordo fechado com o Ministério Público holandês, a SBM comprometeu-se a pagar US$ 240 milhões para encerrar as investigações. A presidente da estatal anunciou que a empresa criará uma diretoria de governança depois das denúncias de corrupção. Segundo ela, o assunto foi debatido pelo Conselho de Administração, que a autorizou “a aprofundar e preparar a proposta para criação — na diretoria do colegiado na Petrobras — dessa diretoria de compliance”. “Foi apoio unânime o que nós recebemos do comitê de administração da Petrobras. Temos capacidade de governar, de governança da companhia”, disse Graça Foster.

De acordo com o jornal O Globo, o Conselho de Administração da Petrobras decidiu na última sexta-feira encaminhar pedido de abertura de ação civil contra 15 funcionários, entre eles José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal, e Cerveró. A decisão refere-se à compra, em 2006, da refinaria de Pasadena, no Texas, que causou prejuízo milionário à empresa. Gabrielli nega conhecer a decisão (leia mais em Brasília-DF, na página 6). Em nota, a Petrobras disse que “não comenta rumores acerca de debates ou deliberações de seu Conselho de Administração resguardadas pelo dever legal de sigilo”.

 

 

Financiados por empreiteiras

 

 

Além de irrigar comitês e direções partidárias, as construtoras investigadas pela Operação Lava-Jato também fizeram doações diretas a pelo menos 62 deputados federais eleitos para a próxima legislatura (2015-2019). As empresas também financiaram 43 candidatos à Câmara que acabaram na condição de suplentes, podendo assumir uma cadeira em caso de renúncia dos titulares eleitos. Ao todo, as empresas Engevix, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, OAS, Odebrecht e UTC/Constram despejaram nesses candidatos R$ 6,59 milhões de reais. O valor é relativamente pequeno se comparado ao total doado pelas empresas em 2014: Juntas, as empresas investigadas despejaram cerca de R$ 182 milhões em candidatos de diferentes cargos.

As doações diretas abrangem deputados eleitos em 18 dos 28 partidos que terão representação na Câmara. No caso das empreiteiras, e de outros grandes financiadores de campanhas, a maior parte das doações é feita a direções partidárias e comitês de campanha, que então distribuem os recursos entre os candidatos. Muitas vezes, os parlamentares só ficam sabendo da origem do recurso na hora de realizar a prestação de contas. “Eu recebi os recursos da direção partidária, mas nunca tive qualquer relação com a empresa”, contou uma deputada reeleita, que recebeu dinheiro da construtora Andrade Gutierrez por meio da direção partidária. Ela explicou ainda que esses recursos são repartidos conforme a conjuntura eleitoral. Ao todo, estima-se que cerca de 200 parlamentares tenham recebido dinheiro do setor em 2014.

Assim como nas doações para direções partidárias, as empresas não distinguem governo e oposição ao fazer as doações diretas. Em 2014, elas abrangeram desde o líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), que recebeu R$ 30 mil da Odebrecht, até o vice-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (PT-SP), agraciado com R$ 150 mil da UTC Engenharia. Também receberam R$ 30 mil da Odebrecht os deputados Júlio Delgado (PSB-MG) e o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Filho do ex-ministro das Cidades, o deputado reeleito Mário Negromonte Júnior (PP-BA) também recebeu R$ 100 mil da UTC. 

Ranking partidário
Entre as futuras bancadas, a do PT será a com o maior número de parlamentares eleitos com ajuda das empresas: 11 petistas receberam doações diretas das seis empresas. O PSDB, que terá a terceira maior bancada da Casa, vem logo atrás, com 10 deputados. O especialista em orçamento público Gil Castelo Branco lembra que, a princípio, não existe qualquer ilegalidade nas doações. “A forma de financiamento das campanhas terá de mudar, necessariamente. É pouco provável que o modelo continue o mesmo em 2018, nas próximas eleições. Inclusive porque já existe uma posição da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade do financiamento privado”, disse ele ao Correio. 

O especialista aponta que pode haver problemas futuros com parlamentares financiados pelas construtoras, responsáveis por investigar essas mesmas empresas. “Creio que esses deveriam se declarar impedidos de participar das apurações dos desdobramentos da Lava-Jato. É estranho que eles sejam responsáveis diretos pela apuração de fatos que envolvem os próprios financiadores de campanha”, completou ele.


A bancada das construtoras
Ao todo, seis empresas doaram, diretamente, R$ 6,59 milhões a deputados e suplentes eleitos em 2014. Os 62 parlamentares financiados pelas construtoras formariam a terceira maior bancada da Câmara.

Os cinco mais — parlamentares que mais receberam dinheiro de empreiteiras

Sérgio Zveiter (PSD-RJ) R$ 400 mil da UTC
Jutahy Magalhães (PSDB-BA) R$ 300 mil da UTC
Domingos Neto (Pros-CE) R$ 300 mil da Galvão Engenharia
José Rocha (PR-BA) R$ 200 mil da UTC
Luiz Sérgio (PT-RJ) R$ 200 mil da UTC

Doações por partido

PT — 11 deputados (R$ 1,1 milhão)
PSDB — 10 deputados (R$ 813 mil)
PSD — 4 deputados (R$ 520 mil)
PP — 7 deputados (R$ 310 mil)
PMDB — 5 deputados (R$ 230 mil)
PSB — 4 deputados (R$ 140 mil)

*Levantamento elaborado pelo Correio com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral. Não foi possível consultar as doações das empresas Mendes Júnior, IESA e Camargo Corrêa.