A Petrobras admitiu ontem a possibilidade de reduzir o preço de ativos e realizar baixas contábeis no balanço por conta das propinas pagas na contratação das obras envolvidas nos escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato. Com isso, o valor patrimonial da empresa deve cair, assim como o que foi contabilizado como lucro pode virar prejuízo. Analistas temem a redução de dividendos pagos pelas ações ordinárias, considerando que a legislação garante aos acionistas das preferenciais um recebimento mínimo.

A presidente da estatal, Graça Foster, confirmou a preocupação com a necessidade de a empresa reconhecer perdas contábeis, mas diretores da companhia negaram que isso possa afetar a distribuição de dividendos. “O ativo pode dar o melhor retorno, mas, se há custo relativo à corrupção, obrigatoriamente você tem que baixar e descontar o valor”, afirmou Graça Foster em conferência com investidores e analistas, acrescentando que a empresa vai buscar o ressarcimento de valores onde identificar prejuízos.

O diretor financeiro da companhia, Almir Barbassa, comentou, contudo, que o foco é no ajuste devido a fatores de corrupção. “Se os cálculos vierem dentro das expectativas, não se espera efeito sobre dividendos”, ressaltou. A União, como acionista majoritária da Petrobras, utilizou dividendos recebidos, inclusive, para fazer ajuste fiscal. “É difícil que esse dinheiro seja devolvido. O que pode ocorrer é algum tipo de retenção de dividendos futuros para compensar o que já foi distribuído antes”, avaliou o analista de mercado da DX Investimentos Lino Gill.

Para o sócio da DX Felipe Chad, o mercado não trabalha com a possibilidade de distribuição de dividendos futuros. “O que a empresa vai fazer agora é reconhecer que houve caixa dois, que saiu dinheiro por fora. Para os investidores, a estatal perde totalmente o pouco de credibilidade que ainda tinha. Ninguém sabe se os números divulgados até aqui são reais”, destacou.

Almir Barbassa ainda tentou tranquilizar o mercado, que teme que, por causa do atraso na publicação do balanço do terceiro trimestre, a empresa fique impedida de acessar mercados de bônus nos Estados Unidos, onde costuma levantar a maior parte do dinheiro para suas operações. Ele disse que a Petrobras tem trabalhado com um caixa volumoso, o que dá à companhia um prazo superior a seis meses sem a necessidade de recorrer a empréstimos ou lançamento de títulos.

“Temos trabalhado com volumes muito elevados de caixa, e agora (essa estratégia) vem se provar medida positiva, porque nos dá um período superior a seis meses de operação sem acessar mercado de dívida”, afirmou Barbassa, sem revelar, no entanto, quanto a petroleira tem em caixa. O executivo também afirmou que a empresa pode ajustar prazos para a divulgação de balanços de modo a incorporar novas informações relativas a denúncias. Segundo ele, a companhia não divulgará informações incompletas do terceiro trimestre.

Produção menor
Na avaliação do diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, finalmente a Petrobras admite a realidade. “Já é um começo. Mas os dados de produção confirmam que a Petrobras não vai atingir a meta”, disse. De fato, a estatal informou ontem que não vai cumprir o objetivo de aumentar a produção de petróleo no Brasil em cerca de 7,5% neste ano. A companhia alegou atrasos na entrega de plataformas próprias e necessidade de obras, entre outros fatores. Agora, a empresa estima aumento de 5,5% a 6% em 2014. No ano passado, foram produzidos , em média, de 1,931 milhão de barris de petróleo por dia no país.

 

Eletrobras desaba

 

As ações da Eletrobras despencaram ontem na Bolsa de Valores de São Paulo diante dos rumores de que o setor elétrico estaria na mira de investigações da Polícia Federal, dentro da Operação Lava-Jato, que desnudou um esquema de corrupção sem precedentes na Petrobras. Os papéis preferenciais (PN) da companhia caíram 9,1%, cotados a R$ 7,29.

O péssimo desempenho das ações decorreu, ainda, da perspectiva de a empresa não pagar dividendos neste ano. Com resultados ruins, não haverá como ratear parte dos ganhos com os acionistas. O alerta foi feito pelo diretor financeiro da companhia, Armando Casado. Em teleconferência com analistas, ele foi taxativo: “Neste ano, há a probabilidade real de não haver pagamento de dividendos. Temos esta questão muito forte, hoje”, assinalou.

Na sexta-feira passada, a Eletrobras informou ao mercado que teve prejuízo de R$ 2,7 bilhões no terceiro trimestre, quase três vezes o rombo de R$ 915 milhões registrado entre julho e setembro de 2013. “A Eletrobras é mais uma estatal a pagar o preço da má gestão do governo. Além da suspeita de corrupção, está sedo prejudicada pela desastrada intervenção da presidente Dilma no setor elétrico”, disse um especialista.

Segundo ele, a tendência é de haver rejeição cada vez maior dos investidores pelas ações de estatais. “Ninguém sabe ao certo o que está comprando. As empresas controladas pelo governo viraram um ninho de rato”, emendou um operador de um banco estrangeiro. “É uma pena que se chegou a esse ponto.”

Mais uma diretoria

 

A presidente da Petrobras, Graça Foster, anunciou que a estatal vai criar uma diretoria de governança, após as denúncias de corrupção na estatal. O mercado não digeriu bem a informação de mais um cargo que poderá ter indicação política. Ao lado das informações de que a companhia não atingirá metas de produção e poderá sofrer baixas contábeis por causa do pagamento de propinas, a notícia ajudou a derrubar as ações da estatal e a puxar para baixo o principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, o Ibovespa, que fechou em queda de 1%, em 51.256 pontos. 

As ações ordinárias da Petrobras caíram 5,09%, a R$ 12,13, e as preferenciais recuaram 4,55%, fechando a R$ 12,60. No ano, os dois papéis acumulam um tombo de mais de 21,49%. A agitação do mercado afetou também o dólar, que terminou o dia em R$ 2,601, a maior cotação desde abril de 2005. 

Gastos 
Na avaliação de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o anúncio de mais uma diretoria foi decisivo para a queda das ações da petroleira. "O mercado esperava justamente o contrário, que a empresa iria cortar gastos. E não criar mais um cargo de indicação política. O que a Petrobras precisa é trocar seu conselho de administração e não permitir mais que o ministro da Fazenda ocupe a presidência", avaliou. 

Conforme Pires, a estatal já passa por auditorias interna e externa, e está na mira de órgãos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União (TCU). "Tudo isso não impediu que houvesse corrupção. Não vai ser uma nova diretoria que vai resolver. O que o mercado espera é que a empresa não tenha mais despesas", alertou. 

Só com investigações sobre as denúncias da Operação Lava-Jato, a Petrobras deverá gastar quase R$ 19 milhões. Segundo Graça Foster, o valor de contrato com o escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados é de R$ 6 milhões e o custo dos serviços da empresas Gisbon, Dunn & Crutcher LLP é de US$ 5 milhões, o equivalente a cerca de R$ 13 milhões. Os contratos, pelo período de um ano, foram assinados em outubro. (SK) 

Risco de calote dispara 

O risco de a Petrobras dar um calote disparou ontem. Diante das denúncias do pesado esquema de corrupção, os Credit Default Swap (CDS) - uma espécie de seguros contra perdas - relacionados à estatal atingiram o maior nível desde 2009, segundo levantamento da agência de classificação de risco Fitch Ratings. A taxa dos CDS subiu 21%, para 335 pontos. Trata-se de um patamar parecido com o de companhias de grau especulativo classificadas como "B-", que indica empresas com situação financeira mais instável. A Fitch ressaltou ainda que os recentes escândalos podem atrasar o aumento da produção da estatal, com impacto negativo nas negociações da empresa com fornecedores de equipamentos, uma vez que os executivos provavelmente irão adotar posição mais cautelosa ao assinar ou alterar contratos.