Dos 114 deputados derrotados na tentativa de se reeleger, 28% vão voltar para os respectivos estados levando na bagagem pelo menos 55 inquéritos e ações penais. Os processos desses 32 políticos estão no Supremo Tribunal Federal (STF), mas, como eles perderam o foro privilegiado na Corte, as ações serão remetidas, em fevereiro, para juízes de primeira instância. O mesmo ocorrerá com os sete inquéritos a que respondem os senadores Gim Argello (PTB-DF) e Jayme Campos (DEM-MT), que não conseguiram se reeleger, ou seja, 34 congressistas vão “levar na mala” ao menos 62 processos criminais, de acordo com levantamento do Correio.

Analistas ouvidos pela reportagem entendem que as mudanças de instância aumentam o risco de impunidade por atrasarem o andamento das ações. Isso pode levar à prescrição, prazo máximo para se julgar um crime desde a ocorrência dele. Para alguns, enviar os processos à primeira instância deixa os casos nas mãos de juízes, especialmente os estaduais, mais expostos às pressões das elites regionais. Mas ser julgado por um magistrado de Corte superior em Brasília não é garantia de independência, avalia uma fonte do Ministério Público. Um delegado da Polícia Federal especialista em lavagem de dinheiro entende que, em muitos casos, os juízes federais fazem análises mais técnicas do que os ministros do STF, que não são especialistas em direito penal e em crimes financeiros. Porém, os políticos ganham chance de recorrer várias vezes, prerrogativa que o foro privilegiado não permite. “No Supremo, chegou lá, acabou”, explicou o ex-governador Jayme Campos, favorável a ser julgado em seu estado.

A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, é crítica do foro privilegiado porque ele favorece a impunidade ao desmembrar processos e enfraquecer denúncias e julgamentos. Ela disse ao Correio que o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm vocação “para decidir a partir de fatos incontroversos”. “Inquéritos e ações penais exigem uma dinâmica diversa. Decidir em colegiado sobre prova é complexo.” Entretanto, isso não significa que mandar os processos para a primeira instância melhore a situação. “Não se pode afirmar que vai ser melhor ou pior para a sociedade. Lembre que o sistema penal é seletivo por natureza. Não espere muito dele.”

Ordem de prisão
Paulo Maluf, deputado do PP-SP, não se reelegeu por ter sido barrado pela Lei da Ficha Limpa. Com ordem de prisão da Interpol, o dono de três ações penais e dois inquéritos não pode entrar em quase 200 países. Se ele não reverter a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltam para São Paulo acusações de crime contra o sistema financeiro, formação de quadrilha, delitos eleitorais e lavagem de dinheiro em obras de uma avenida em São Paulo. Maluf disse que não poderia conversar com a reportagem por estar em reunião.

Também barrado pela Ficha Limpa, o líder do PSC na Câmara, André Moura (SE), passou a responder a um inquérito por homicídio, caso aberto em setembro no STF e sobre o qual não há detalhes. Moura nega e diz que um adversário político atribuiu a ele uma invasão de fazenda. “O delegado pede o arquivamento”, diz Moura.

Jayme Campos desistiu de concorrer por causa da Lei da Ficha Limpa. Ele é acusado por crimes de responsabilidade, contra o sistema financeiro, contra o sistema nacional de armas e contra a lei de licitações. “Estou tranquilo. Há acusações banais, como uso de uma patrola. Em algumas coisas, precisa prevalecer o bom senso no Ministério Público”, disse.

Gim Argello tem quatro inquéritos por crimes contra a lei de licitações, desvio e lavagem de dinheiro. Num deles, o MPF anotou movimentações financeiras atípicas da família do senador. Exemplos: depósito de R$ 800 mil em espécie na conta da esposa dele feito por uma distribuidora de combustíveis e movimentação de R$ 2,74 milhões nas contas do filho de Gim, mesmo possuindo renda de R$ 6,5 mil mensais. A reportagem não localizou o senador.

Até o ano passado, praticamente 40% do Congresso respondiam a alguma pendência criminal no STF. Eram 397 inquéritos e 145 ações penais contra 191 deputados e 33 senadores, ou seja, 524 processos envolvendo 224 parlamentares, de acordo com o site Congresso em Foco.

Os processados
Confira quem são os parlamentares não reeleitos cujos processos que atualmente estão no STF serão remetidos à primeira instância. Na Câmara, 32 deputados respondem a pelo menos 55 processos. No Senado, dois senadores acumulam sete ações

Senadores
Gim Argello (PTB-DF)
Jayme Campos (DEM-MT)

Deputados
Adrian Mussi (PMDB-RJ)
Alexandre Roso (PMDB-RS)
Aline Corrêa (PP-SP)
André Moura (PSC-SE)
Antônia Lúcia (PSC-AC)
Arnaldo Jordy (PPS-PA)
Assis Melo (PCdoB-RS)
Augusto Coutinho (SD-PE)
Camilo Cola (PMDB-ES)
Carlos Souza (PSD-AM)
Chico das Verduras (PRP-RR)
Cláudio Puty (PT-PA)
Dalva Figueiredo (PT-AP)
Edinho Bez (PMDB-SC)
Eliene Lima (PSD-MT)
Geraldo Simões (PT-BA)
Giovanni Queiroz (PDT-PA)
Jairo Ataíde (DEM-MG)
João Lyra (PSD-AL)
Luiz Argôlo (SD-BA)
Marçal Filho (PMDB-MS)
Marcos Medrado (SD-BA)
Maurício Trindade (Pros-BA)
Newton Lima (PT-SP)
Paulo Maluf (PP-SP)
Professor Sétimo (PMDB-MA)
Protógenes Queiroz (PCdoB-SP)
Sabino Castelo Branco (PTB-AM)
Sebastião Bala Rocha (SD-AP)
Urzeni Rocha (PSD-RR)
Walney Rocha (PTB-RJ)
Wladimir Costa (PMDB-PA)

 

Blindagem de governadores vai a plenário

 

 

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, vai colocar em julgamento a primeira das 18 ações judiciais que tentam acabar com a blindagem dos governadores contra processos criminais. Como mostrou levantamento do Correio, 22 governadores de 15 estados se livraram de 46 denúncias penais porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não obteve autorização dos deputados estaduais para prosseguir com o processo. No Supremo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tenta derrubar a exigências de autorização dos legislativos estaduais para os governadores serem julgados por considerá-las mecanismos inconstitucionais em defesa da impunidade.

Lewandowski não disse quando colocará a ação contra a blindagem, mas destacou a importância do processo. “Esse é um tema muito relevante”, disse, em café da manhã com jornalistas no seu gabinete na semana passada. “Vamos ver como o Supremo vai reagir a isso. É saber se uma Assembleia Legislativa pode se obstar à ação do Poder Judiciário. Isso será decidido e, certamente, terá um grande impacto. Acho que é um tema importante. Se for liberado, eu pautarei.” O processo foi liberado pelo ministro Teori Zavascki em setembro. Ainda assim, Lewandowski não estipulou prazos. O mandato dele na presidência vai até 2016.

Hoje, o presidente da República ainda precisa de autorização do Congresso para ser julgado por crime de responsabilidade no STF. Alguns estados usam isso como argumento para protegerem seus governadores de processos no STJ. Até ser feita uma emenda à Constituição em 2001, o STF também vivia sob “mordaça”, pois só podia processar deputados e senadores com autorização do Congresso.

Para o ministro Gilmar Mendes, essa emenda reforçou os princípios constitucionais. Mas ele não estudou o caso ainda e vê necessidade de cautela. “Vamos examinar com cuidado, porque isso tem implicações no sistema de divisão de Poderes”, disse ele ao Correio.


Na ação da OAB, o Ministério Público concorda que as regras atuais favorecem a impunidade. “Essa orientação não parece ser a mais consentânea com os valores republicanos de que está impregnada a Carta da República”, disse o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em parecer no processo relatado por Teori. Endossa essa avaliação o criminalista Jair Jaloreto Júnior, que atua na defesa penal de empresas envolvidas em problemas como crimes do colarinho branco, lavagem de dinheiro e sonegação. “Entendo que isso aí é o caminho para a impunidade”, afirmou. “Você vai depender de um órgão externo ao Judiciário para definir se a Justiça pode ser aplicada. Para mim, um contrassenso completo.”