A aposentadoria e o nível de renda dos servidores públicos federais está sob ameaça. O número de adesão às fundações de previdência complementar (Funpresp) do Executivo, do Legislativo e do Judiciário não decolou. Levantamento do Correio aponta que, dos mais de 60 mil servidores que ingressaram na administração pública federal após a criação dos três planos de benefícios, somente 13,8% começaram a contribuir em um deles. Caso essa tendência não mude, os funcionários que entraram no serviço público a partir de 2012, com salários que chegam a ultrapassar R$ 20 mil, terão a aposentadoria limitada ao teto desembolsado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje em R$ 4.390,24. 

Desde a criação das entidades de previdência complementar, os funcionários federais não contam com a remuneração integral garantida quando deixarem o serviço público. Devem contribuir ao Funpresp para receber um benefício com valor superior ao pago aos trabalhadores do setor privado. As regras oferecem vantagens como contribuições do empregador equivalentes a até 8,5% do salário mensal do empregado, acima dos 7,5% praticados pelo mercado. Mas nem uma contrapartida maior do governo atraiu os trabalhadores e os obstáculos para que os fundos de pensão deslanchem são diversos. 

Desinformação 
A falta de informação, a pulverização dos órgãos públicos pelas diversas regiões do país e a desconfiança sobre como são geridos esses fundos estão entre as dificuldades enfrentadas para impulsioná-los. Com poucos empregados, as fundações não conseguem contato com todos os trabalhadores aptos a contribuir com um plano de benefícios. No caso do Funpresp-jud, que tem 98 patrocinadores entre tribunais, procuradorias e conselhos, o total de servidores que podem se tornar participantes ainda é uma incógnita para os gestores. 

A entidade fechada de previdência complementar do Poder Judiciário tem autorização legal para funcionamento há pouco mais de um ano. Mas só iniciou a campanha de comunicação para o público-alvo na solenidade que comemorou o primeiro aniversário. Nesse período, apenas mil participantes ingressaram na fundação que tem um patrimônio de R$ 28 milhões, dos quais R$ 25 milhões são de aporte dos patrocinadores e apenas R$ 3 milhões referentes a contribuições. Os recursos estão investidos em renda fixa, sobretudo em títulos públicos. Procurada pela reportagem, a fundação dos servidores do Judiciário não se manifestou até o fechamento desta edição. 

No caso da fundação que administra planos de benefícios para funcionários concursados do Executivo e do Legislativo, outro obstáculo ao acesso dos servidores é a ação de associações e entidades de classe contrárias à Funpresp. Várias delas iniciaram campanhas para evitar as adesões. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), por exemplo, criou uma cartilha que explica por que os professores devem boicotar o fundo de pensão. Dados do Ministério do Planejamento indicam que 58 mil profissionais ingressaram no Executivo desde a criação da entidade de previdência complementar. 

No Congresso Nacional e no Tribunal de Contas da União (TCU), que possui pelo menos 541 servidores aptos a participar da Funpresp, parte deles, os policiais legislativos, defende paridade com as demais carreiras da segurança pública que se aposentam com salário integral. Para ter o direito reconhecido, ingressaram com ações na Justiça e, enquanto uma sentença não é proferida, os 64 que tomaram posse na Câmara dos Deputados em 2014, por exemplo, não são incentivados a aderir à entidade de previdência complementar. As associações de policiais rodoviários federais também publicaram nos sites informativos para que os recém-empossados não façam a adesão. 

Entre os servidores há desconfiança sobre a transparência na gestão dos recursos. Muitos reclamam que não são feitas eleições para que os participantes escolham metade dos diretores, assim como é realizado nos fundos de pensão de estatais. Eles reivindicam que os extratos de contribuições detalhem como as contribuições são investidas e a rentabilidade das aplicações. Por outro lado, o desinteresse de quem já aderiu a um dos planos de benefícios é evidente. 

Dos 4.767 funcionários públicos aptos a participar do processo de escolha de conselheiros deliberativos, fiscais e de assessoramento técnico, somente 915 votaram. Só participou do processo quem aderiu ao Funpresp-Exe-Leg até 29 de julho. Nos 20 meses de funcionamento, a fundação conseguiu atrair apenas 7,3 mil participantes e acumular um patrimônio de R$ 100 milhões investidos, sobretudo, em títulos públicos. 

Vantagens 
Para o consultor de previdência da Mercer Leandro Ribeiro, as fundações precisam investir em campanhas de comunicação para esclarecer aos servidores as mudanças no regime previdenciário e as vantagens em aderir aos planos de benefícios. Ele detalha que muitos ainda estão receosos com a mudança de paradigma ou não têm informações suficientes para decidir se aderem ou não ao fundo de pensão. "A Funpresp é uma realidade e, a partir do momento em que houver investimentos em sistemas de comunicação, o número de participantes vai decolar", comenta. 

Na avaliação da advogada e especialista em direito previdenciário Gisele Lemos Kravchychyn, a baixa adesão dos servidores a um plano de benefícios é preocupante. Ela ressalta que aqueles que descartarem o fundo de pensão terão perdas de renda significativas."A Funpresp garante aos participantes a certeza de que o patrimônio será investido para pagar benefícios previdenciários e não serão usados para outra finalidade", afirma.

Adesão automática
Melhorar os processos de gestão dos fundos de pensão e alterar a legislação vigente no país sobre previdência complementar podem ser alternativas para turbinar o número de adesões à Funpresp. Na opinião do diretor da Gama Consultores Guilherme Gazzoni, criar a possibilidade de inclusão automática de um potencial candidato em uma entidade fechada contribuiria para o fim da inércia dos brasileiros. Com essa mudança, o cidadão entraria no plano de benefícios assim que ingressasse no serviço público ou fosse contratado por uma empresa privada, mas teria a alternativa de sair caso achasse conveniente. 

Ele ressalta que a discussão jurídica em torno do artigo 202 da Constituição Federal - que torna a previdência complementar facultativa aos trabalhadores- precisa ser superada para alavancar o sistema e aumentar a taxa de poupança do país. Gazzoni lembra que após o governo dos Estados Unidos autorizar a adesão automática, o número de participantes de fundos de pensão aumentou em 50%; na Inglaterra, a quantidade dobrou em apenas dois anos. 

Conforme o especialista em previdência da Fundação Getulio Vargas Istvan Kasznar, os fundos de pensão de estatais, assim como os de servidores públicos, não estão livres de escolhas políticas para os cargos de direção. Na opinião dele, essa ingerência do governo abre espaço para que o patrimônio não seja gerido de acordo com as melhores práticas difundidas pelo mercado. Para Kasznar, os trabalhadores da administração pública precisam aumentar o envolvimento com as questões relativas as fundações e criar mecanismos de cobrança de diretores e conselheiros para que os processos de investimentos sejam transparentes. 

A servidora pública Thayana de Queiroz, 27 anos, ingressou na administração pública federal em julho de 2014 e faz parte daqueles que recebem uma remuneração acima do teto pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje em R$ 4.390,24. Assim que tomou posse no cargo de analista de comércio exterior, participou de uma palestra com empregados da fundação e teve informações preliminares sobre o fundo de pensão. A principal dúvida dela se referia à rentabilidade do plano de benefícios em comparação à previdência privada. "Tenho uma conversa marcada com um consultor e devo fazer minha adesão. Quero aproveitar esse momento em que não tenho despesas familiares e posso fazer uma poupança", comenta. 

O também servidor Henrique Lima, 25, foi nomeado para o cargo de analista técnico administrativo do Ministério da Fazenda em maio, mas recebe um salário que não ultrapassa o teto do INSS. "Vou continuar a estudar e tenho como meta passar em outros concursos com melhor remuneração. Assim que isso ocorrer, vou aderir a um plano de benefícios."