Não é só o governo federal que está com dificuldades para encerrar o mandato com as contas em ordem. Dois em cada três governadores deverão concluir seus mandatos no próximo mês deixando um legado fiscal duvidoso. A situação de inchaço das máquinas estaduais está pior do que a registrada quatro anos atrás. O número de estados em que a despesa com pessoal entrou na chamada "zona de risco" da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) cresceu 70% de lá para cá e, hoje, alguns deles já enfrentam problemas para pagar salários ou estão sob ameaça de intervenção. Em 2010, eram dez os governadores na "zona de risco" no fim do mandato. Agora, são 17. A maior parte está no Nordeste (AL, CE, PB, PE, PI, RN e SE). Quatro são do Norte (AP, RO, TO e PA), três do Sul (PR, RS e SC) e três do Centro-Oeste (DF, GO e MT).

As situações mais graves estão no Piauí, Alagoas, Paraíba e Sergipe. Nesses locais, a despesa do Executivo com a folha de pagamento ultrapassou o teto permitido por lei, que é de 49% da receita corrente líquida do estado. Conforme o último relatório enviado ao Tesouro Nacional pelos governadores, referente ao período de janeiro a agosto, a despesa no Piauí chegou a 50,04%; em Alagoas, 49,8%; na Paraíba, 49,6%; e em Sergipe, 49,6%.

Antes de chegar a esse estágio, a LRF estabelece ainda outros dois limites. O primeiro, chamado de alerta, é acionado quando se chega ao patamar de 44,1% e indica a entrada na "zona de risco". Dez estados estão hoje nesse grupo (AP, CE, DF, GO, MT, PA, PE, RO, RS e SC). O segundo é o limite prudencial, aos 46,5%. Nessa situação, encontram-se três estados (PR, RN e TO).

O cenário, entretanto, pode ser pior do que indicam os documentos. Por falta de regras claras, há muita maquiagem nas prestação de contas. O Rio de Janeiro, por exemplo, não inclui no cálculo apresentado ao Tesouro os gastos com aposentados. Isso faz com que, no papel, o estado tenha a menor taxa da receita comprometida com pessoal.

O levantamento feito pelo GLOBO constatou que o problema atinge gestões dos principais partidos. PMDB e PSDB lideram o ranking com quatro governadores pendurados na LRF. Na sequência, aparecem o PSB (3), PT (2) e DEM, PROS, SD e PSD com um cada.

Descontrole no último ano de gestão

Os documentos também permitem dizer que o maior descontrole das contas com pessoal tem ocorrido justamente no último ano da gestão. Ao final do ano passado, somente um estado estava descumprindo o limite máximo para gasto com salários(Tocantins). Agora, são quatro. No início de 2014, diversos estados concederam reajustes salariais e contratações num ritmo bem acima do crescimento da receita.

Os efeitos colaterais começaram a ser vistos pouco depois do fim das eleições. No Piauí, o governador Zé Filho (PMDB) foi obrigado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) a anular todos os atos que provocaram aumento de despesa com pessoal. Isso significa a anulação de todas as nomeações e contratações feitas entre maio e setembro. O tribunal acusou o governo de ter feito 1.275 nomeações, mesmo estando proibido de fazê-las por estar acima dos limites da LRF desde o início do ano.

Zé Filho foi candidato à reeleição, mas perdeu para Wellington Dias (PT). O PT pediu no início de novembro intervenção federal no estado por conta do descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Relatório aprovado pelo TCE no último dia 31 diz: "mesmo diante do cenário dramático em que se encontra o estado em razão do descontrole das despesas com pessoal, o Excelentíssimo governador não se furtou de conseguir a contratação de servidores, nas mais diversas áreas".

A LRF prevê punições aos que desrespeitam o limite máximo de gasto. Primeiro, é dado um prazo de quatro meses para a despesa retornar a um patamar abaixo do teto. Se o problema persistir, as sanções são: suspensão de repasses de recursos pela União para convênios e impedimento para contrair financiamentos no exterior. O gestor pode ser multado e ainda processado por improbidade administrativa. Mas essas duas últimas penalidades são menos frequentes.

salários atrasados em Sergipe

Há três semanas foi a vez do funcionalismo estadual de Sergipe tomar um susto. O salário de outubro não foi pago integralmente na data esperada (até o dia 30). Os servidores receberam até R$ 1.500. Houve protesto, sendo um deles em frente ao gabinete do governador Jackson Barreto (PMDB), reeleito no primeiro turno. Dias depois, o governo avisou que o montante em atraso seria quitado até o dia 11 por falta de recursos. A gestão estadual culpou queda no repasse de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) pelo desequilíbrio financeiro.

- Essa situação difícil já vem desde maio e junho. Mas não tínhamos passado por isso ainda (ficar sem receber salário). Causou um pânico muito grande. O governador prometeu fazer uma reforma administrativa grande no próximo mandato para reduzir custos. Ele diz que herdou essa situação do Deda (governador Marcelo Deda, que morreu em 2013) - afirmou o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Sergipe, Waldir Rodrigues.

Atraso no pagamento de salário tornou-se um problema crônico no Rio Grande do Norte, que está a alguns décimos de extrapolar o limite máximo da LRF. Desde 2013, os funcionários se queixam de adiamentos no pagamento dos subsídios. O último deles afetou o quadro da Educação. A gratificação de mérito educacional a professores e funcionários de escolas foi parcelada em dois meses (novembro e dezembro) por falta de dinheiro em caixa para honrar a dívida em uma única parcela. Neste mês, houve também atraso no pagamento do salário de quase 15 mil aposentados.

Se a situação dos gastos não for equilibrada até o fim deste ano, 2015 tende a ser ainda mais complicado para os gestores, eleitos ou reeleitos. Alguns dos estados que estão na zona de risco empurraram para os próximos anos o pagamento de reajustes salariais concedidos às vésperas da eleição. São eles Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Goiás.

A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), Lucieni Pereira da Silva, apontou duas razões para o descontrole de gastos.

- A despesa com pessoal é de caráter continuado, portanto, precisa ser conduzida de forma muito austera. Aumento de salário e contratações precisam ser feitos com responsabilidade, sempre verificando o crescimento da receita. Além disso, tem que haver um esforço para combater a sonegação e cobrar a dívida ativa. Tudo isso tem impacto nas contas.

Mas, para ela, um outro fator, de caráter nacional, tem contribuído para esse cenário de dificuldades.

- As desonerações federais têm impactado nessas contas. De 2008 a 2013, elas significaram R$ 229 bilhões a menos para os estados. Não quero satanizar esse instrumento, que, num momento de crise econômica, é importante para impedir o desemprego e a desaceleração da economia. Mas ele precisa ser usado com um mínimo de planejamento para que todos possam se ajustar ao novo cenário.

Outro mau sinal que os relatórios fiscais mostram é o nível de investimentos dos estados. Na maioria deles, os investimentos perderam espaço dentro das despesas totais na comparação com 2010. São eles: AC, AL, AM, AP, BA, CE, ES, MG, PA, PI, PR, RN, RO, RR, RS, SP e TO.

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Governos citam fim de repasses da união e necessidade de reajustes

 

Dos quatro estados que têm a situação fiscal mais grave do país, apenas o governo do Piauí se manifestou. Em nota, a gestão do governador Zé Filho (PMDB) admitiu um inchaço da máquina estadual, mas disse que medidas estão sendo adotadas para cortar gastos e devolver o estado aos parâmetros permitidos pela LRF até dezembro.

"O plano de contenção de despesas públicas prevê a redução de 25% no valor total dos contratos de locação de mão de obra firmados com o governo, redução do número de cargos comissionados, assim como ficam rescindidos os contratos de locação de veículo em que figure como contratante a administração estadual", informou o texto.

O secretário de Governo, Freitas Neto, classificou a situação financeira como "bastante complicada" e disse que o problema se agravou porque o estado foi vítima de uma retaliação política por parte do governo federal.

"Recebemos apenas o fundo de participação estadual e não temos mais o fundo de participação voluntária, que deixou de ser enviado pelo governo federal quando o atual governador Zé Filho deixou de apoiar o governo da presidente Dilma. Porém, apesar das dificuldades, vamos deixar dinheiro empenhado para investimentos e obras futuras. O Estado será entregue equilibrado", afirmou ele, em nota.

Paraíba e Sergipe não se pronunciaram. A reportagem não conseguiu contato com o governo de Alagoas. Também não conseguiu encontrar representantes para tratar do assunto no MT, RN, RO e AP.

Dos 17 estados que estão na "zona de risco" da LRF ou já superaram o limite máximo de gasto com pessoal previsto na lei, o GLOBO encaminhou pedido de esclarecimentos a 12.

O governo do Paraná, do PSDB, explicou que o aumento de gasto com pessoal é resultado da contratação para áreas como educação e segurança pública, de reajuste salarial e da desaceleração da receita. A Fazenda paranaense descartou atrasos no pagamento de salários até o fim do ano, mas admitiu que o índice da despesa com pessoal não deverá ter grandes melhoras até o dezembro.

Gasto deve aumentar, diz RS

O governo do Rio Grande do Sul, do PT, responsabilizou reajustes feitos ao magistério para recompor perdas salariais de anos anteriores pela situação em que se encontra a despesa com a folha. Segundo o Executivo, foram concedidos a 140 mil funcionários da Educação 76% de aumento parcelados ao longo da gestão. O governo informou que é possível que o gasto com pessoal ainda aumente para efeitos da LRF este ano.

O governo do Pará, do PSDB, explicou que acompanha mensalmente a evolução dos indicadores da LRF e que, por enquanto, a situação está sob controle. O governo de Santa Catarina, do PSD, disse que a situação em que o estado se encontra é "momentânea" e que "a previsão nos próximos meses é voltar para dentro do limite".

No Distrito Federal, a gestão do PT informou que "assumiu compromissos com reajustes concedidos por meio de várias leis aprovadas pelos governos anteriores, além de pautar sua ação no restabelecimento das funções de Estado que exige a nomeação de servidores públicos concursados" e reforçou que "em nenhum momento os reajustes ultrapassaram os limites legais".

O governo de Goiás, do PSDB, comunicou que os indicadores tendem a melhorar em 2015 após aprovação pelo Legislativo de uma reforma administrativa para redução de secretarias, cargos comissionados e funções gratificadas. ( Silvia Amorim )