Título: Bacharel, mas ainda estagiário
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Fonte: Correio Braziliense, 18/06/2011, Brasil, p. 10

A OAB do Rio Grande do Sul sugere a criação do profissional formado na área, ainda não aprovado na Ordem e que prestaria consultoria aos advogados

Formar-se em direito, não ser aprovado no Exame da Ordem e, consequentemente, encontrar dificuldades para estrear na carreira escolhida: saga bem conhecida pelos profissionais da área. A fim de reverter a situação, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio Grande do Sul propôs ao Conselho Federal da categoria a criação de um novo trabalhador do setor jurídico para incluir essas pessoas no mercado. Seria o estagiário bacharel, um colaborador dos escritórios de advocacia que exerceria as mesmas funções do estagiário convencional, mas com diploma. Especialistas estão divididos com relação à proposta. Segundo ele, ela pode ser uma oportunidade de aprendizado ou uma oficialização do exercício ilegal da profissão.

Segundo o documento, a ideia reúne vantagens, como empregar mais bacharéis em grandes escritórios. O presidente da OAB gaúcha, Claudio Lamachia, ressalta que a proposição é apenas uma extensão do período de estágio escolar e que o estudante pode aprimorar conhecimentos até ser aprovado no exame da OAB. "Fala-se em um contingente de 2 milhões de bacharéis sem trabalho. Vamos mudar essa situação", defende.

O presidente ressalta que o período de estágio é de dois anos. O prazo sugerido evitaria a acomodação do profissional e o incitaria a continuar na tentativa de aprovação no exame da Ordem. "Quem quer ser advogado mesmo vai correr atrás." Lamachia cita também que a dificuldade da prova é reflexo da deficiência na qualidade do ensino das faculdades. "Se o ex-aluno estiver mais próximo de bons escritórios, pode continuar a aprender", completa.

O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, diz que analisará a proposta com o conselho, mas se mostra contrário ao posicionamento da seccional do Rio Grande do Sul. "Pode criar uma situação de subcategoria dentro da advocacia, com exploração massiva dos novos contratados."

Professor de direito trabalhista do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Luiz Fernando Carvalho aponta outro problema da proposta. Segundo ele, o novo perfil estaria desprotegido da fiscalização e do acompanhamento das atribuições do estagiário convencional e sem possibilidade de projeção profissional. Carvalho cita ainda uma questão trabalhista. "Já que a categoria em questão não seria nem advogado, nem estudante, que tipo de profissional seria?"

Laranjas Para enquadrar os estagiários bacharéis nos escritórios, o advogado trabalhista Antônio Evangelhista destaca que deve existir um projeto de lei na Câmara dos Deputados, o que daria credibilidade ao tema. "Como não existe essa função, não é tão simples assim. A pessoa é contratada com conhecimentos frescos, faz todas as peças e o advogado só assina. Seria como um laranja que fica na advocacia. Vamos com calma", critica.

Aluna do 7º semestre de direito e estagiária do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Iana Eiras, 25 anos, reconhece que existem casos de exploração no setor privado. Mas acredita que, se bem estruturada, a proposta poderia beneficiar os recém-formados. "Tem que ser acompanhado de perto para a gente não virar um colaborador de baixo custo. O teste da OAB está cada vez mais difícil. Acho que aceitaria a oportunidade, mas não permaneceria dois anos, é muito tempo", diz.

Segundo o secretário-geral da OAB, Marcus Vinícius Furtado, a classe já discutiu uma proposta parecida ¿ de ampliação do número de anos do estágio ¿ e a reprovou. A justificativa foi de que, com o aumento do período, o estagiário poderia ser transformado em mão de obra barata. "Não posso garantir a mesma posição para o novo projeto. Mas aparenta semelhanças em relação à proposta rejeitada", compara. A OAB vai designar um relator para o caso, que vai ao plenário. Uma posição deverá ser anunciada no próximo semestre.