Os efeitos da Operação Lava-Jato no Congresso devem ser mais lentos que a avalanche que se abateu sobre o mundo empresarial e atingiu executivos das principais empreiteiras do país. A citação de um número expressivo de parlamentares que estariam envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras, cerca de 70, - o equivalente a quase um Senado - deixou o Congresso apreensivo, mas a tendência, dizem líderes partidários, será de cautela em relação às cassações de mandato. Primeiro, dizem, é preciso aguardar a denúncia do Ministério Público. E só após a revelação de provas mais contundentes e a aceitação da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) os casos devem avançar no Conselho de Ética.

Líder do maior partido da base e forte candidato à presidir a Câmara nos próximos dois anos, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) defende que eventuais processos de cassação contra parlamentares citados no esquema só tenham início após o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestar sobre o tema.

- Vai depender do conteúdo da denúncia. O critério é a comprovação. Imagine o sujeito citar o nome, dizer que esteve com a pessoa, que recebeu doação na casa. Cadê a prova? Esse processo terá que ser tratado com normalidade institucional. Não é só a denúncia do Ministério Público, o Supremo tem que admitir o recebimento - afirmou o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Cunha sustenta que vários deputados estão denunciados ou mesmo sendo processados no STF e nem por isso respondem a processo no Conselho de Ética:

- É preciso ter calma, não criar um clima de paralisia do Legislativo. Deixar correr dentro da normalidade. Não é nem sangria desatada, nem passo de tartaruga. Se eles estão levando esse tempo todo para divulgar, o Congresso não precisa resolver em cinco minutos.

Mesmo na oposição, o raciocínio é cauteloso. Embora afirmem que o Congresso pode se antecipar ao STF e dar início a processos de cassação, líderes destacam a necessidade de provas sólidas do envolvimento de senadores e deputados nas irregularidades. Líder de uma das principais legendas que fazem embate ao governo, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) sinaliza que a oposição será cuidadosa.

- Não é porque seja parlamentar ou não, isso diz respeito a qualquer cidadão. Para ser envolvido em indícios nessa operação criminosa, é preciso que se tenha provas ou ao menos indícios muito fortes de atos ilícitos, provas testemunhais e factuais. Estamos falando da honra e da vida de pessoas. Mas claro que todo mundo que tiver envolvimento nesses crimes tem que ser punido no âmbito penal e ético - diz Mendonça Filho.

O líder do DEM diz que caberá ao Congresso avaliar as condições reais de provas do envolvimento desses parlamentares.

- O que o Congresso fará vai depender das provas que forem apresentadas. Não precisa concluir uma ação penal para saber se alguém quebrou decoro ou não, até porque no Congresso tratamos o aspecto ético, e não penal. Apesar da Operação Lava-Jato ter avançado mais que a CP MI da Petrobras, o processo ético pode ser iniciado com os dados coletados pela comissão - aponta Mendonça Filho.

Para o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), o processo de cassação no Congresso não depende de uma ação anterior do STF. O senador tucano cita casos como o do ex-deputado Ibsen Pinheiro, que teve seu mandato cassado após a CP I do Orçamento, mas não sofreu condenação judicial.

- Para abrir um processo no Congresso, basta você ter o cheiro, não a prova concreta. A noção de decoro, que é política, não se confunde com a condenação judicial. O julgamento político deve ocorrer diante de evidências de que o parlamentar teve uma conduta que não se espera de um representante do povo. Mas claro que a acusação tem que ser fundada, não pode ser uma coisa fútil. Não se tira um mandato popular sem razões fortes. Mas também não é preciso esperar uma condenação do Supremo, se não, nunca se teria uma cassação. A decisão do Congresso obedece a critérios diferentes do STF - disse Nunes.

'acordão' para salvar mandatos

A tropa de choque governista trabalha no Congresso para vincular todos os partidos da base e da oposição ao esquema de corrupção na Petrobras e viabilizar, assim, a possibilidade de um "acordão" que preserve a maior parte dos parlamentares citados na investigação. Mas, a oposição já começa a aplicar a vacina para se diferenciar dos parlamentares governistas que tenham se beneficiado do esquema.

Na CP MI da Petrobras, integrantes do PT mandaram recado de que poderia haver uma caça às bruxas caso a oposição insistisse na quebra de sigilo do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Senadores defenderam que, para abrir o sigilo de Vaccari, seria preciso abrir de todos os tesoureiros dos demais partidos, já que muitas das legendas receberam doações das empreiteiras envolvidas no escândalo.

- É absurdo querer misturar quem se envolveu com pagamento de propina e tráfico de influência com quem apenas recebeu doações legais de empresas. É da regra do jogo receber doações, o que não pode é vincular essas doações a uma ação governamental. Essa confusão só interessa ao PT e ao governo. É a saída que eles constroem para não apurar nada - rebate Mendonça Filho.

Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que as investigações já produziram efeito inédito no país, alcançando agentes públicos, diretores executivos da Petrobras e das principais empreiteiras do país, além de operadores da rede de corrupção. Está faltando, lembra ele, o último elo da cadeia, que são os parlamentares e altas autoridades do Executivo. Ele também espera uma reação rápida do Congresso, mas diz que, diante da possibilidade de envolvimento dos principais partidos da Casa, é preciso haver pressão da sociedade.

- Como pega os principais partidos e financiadores,pode gerar o mesmo efeito reflexo. Assim como no plano econômico estão dizendo que as empresas não podem ficar inidôneas, no plano político também podem alegar: se condenar todos, gera um vazio político. Essa é uma Casa política. A reação aqui vai depender muito de como a sociedade irá reagir. Se for com indignação, cobrança, se levar para as ruas, haverá força para cassar. Se a reação for de desencanto, ficar em casa, o resultado será de pouco abalo.

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Congresso tem histórico de poucas cassações

Apesar do tamanho da crise atual, não é a primeira vez que surgem denúncias que envolvem dezenas de políticos. Nas últimas duas décadas, o Congresso criou CPIs para escândalos como o dos Anões do Orçamento, dos Sanguessugas (desvio de recursos de compra de ambulâncias), do Cachoeira e dos Correios, que investigou o mensalão, todos que no início aparentavam potencial para levar a dezenas de cassações, mas, por motivos diversos, redundaram em cassações pontuais e diversos acordões.

Experientes e acostumados a vivenciar no Congresso Nacional os desdobramentos de acusações contra parlamentares, os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Miro Teixeira (PROS-RJ) destacam a diferença deste escândalo atual para os do passado. Desta vez, a investigação está em curso e quem lidera a apuração é a Polícia Federal e o Ministério Público. Não há questionamento da existência do esquema de corrupção, os envolvidos estão fazendo delações premiadas para tentar reduzir a punição e há até devolução de somas milionárias. E o Congresso retomará os trabalhos em fevereiro com uma tarefa a ser feita: processar os parlamentares envolvidos que foram eleitos ou reeleitos.

- Estamos vivendo um momento diferente. As CPIs do Collor, dos Anões do Orçamento, foram tocadas por fatos gerados na imprensa. A CP I se antecipou à apuração do Ministério Público, da Polícia Federal. Desta vez, como já aconteceu com a CP I do Cachoeira, a CP I está a reboque de fatos revelados pelo Ministério Público, pela Polícia Federal. O MP e a PF estão lá na frente e penso que devemos esperar que eles completem, com a rapidez possível, as provas contra os parlamentares. Estamos diante da dependência do que virá para o Congresso. Não podemos começar a nova legislatura sem saber com quem estamos lidando - afirmou o deputado, completando:

- Desta vez, com TV Câmara e o voto aberto, não escapará quem tiver culpa.

Apesar da pressão popular e de fatos contundentes, o Congresso sempre tende a ser mais conservador e só cassar os com maior envolvimento para dar satisfação à opinião pública e salvar os demais. No ano passado, Natan Donadon (PMDB-RO), mesmo preso, conseguiu ser absolvido na primeira vez que foi a julgamento no plenário quando o voto era secreto. Só foi cassado na segunda tentativa, com o voto aberto. E nesta nova denúncia, os que chegarem ao plenário dificilmente escaparão da cassação justamente porque o voto é aberto.

Um processo de cassação segue um trâmite lento entre representação contra um deputado e desfecho no plenário. Na semana passada, o Conselho de Ética sequer abriu investigação contra o deputado Rodrigo Betlhem (PMDB-RJ), que foi acusado pela mulher de envolvimento em esquema de desvio de dinheiro de convênios em secretaria do Rio e apareceu admitindo em uma gravação ter contas no exterior. Os deputados que o absolveram alegaram que a mulher refez o depoimento e, para completar, Bethlem havia desistido de concorrer à reeleição.