Para evitar o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo enviou ontem ao Congresso um projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 e permite que todas as despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e desonerações tributárias sejam abatidas da meta de superávit primário (poupança para o pagamento de juros da dívida pública). Na prática, a mudança desobriga o governo de fazer qualquer esforço fiscal este ano, uma vez que, juntos, esses gastos já somam R$ 138 bilhões (R$ 54 bilhões com PAC e R$ 84 bilhões com desonerações). Isso é mais do que a meta definida para o governo federal na LDO, de R$ 116,1 bilhões.

A mudança proposta pelo governo foi criticada por analistas do mercado. Eles avaliam que o governo desmontou uma das pernas do tripé da política macroeconômica, que é justamente a realização de superávits primários, e apontam o risco de o Brasil sofrer um novo rebaixamento pelas agências de classificação de risco.

Ministra admite que é difícil "cravar" meta

Em audiência na Comissão Mista de Orçamento, a ministra Miriam Belchior (Planejamento) disse que a alteração da LDO é necessária diante do comportamento errático das receitas em função da crise econômica mundial e da necessidade de o governo gastar mais para incentivar o crescimento. Mas classificou a situação das contas públicas de "bastante confortável". No auge da crise mundial, em 2009, quando os incentivos eram cruciais, o esforço fiscal do governo foi de 2,06% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).

Miriam admitiu ser impossível "cravar" qual será a meta de 2014. Apesar do risco de haver um déficit, ela garantiu que o Brasil vive em melhores condições do que outros países.

- Não é um cheque em branco. A situação do Brasil, apesar de algumas opiniões, ainda é bastante confortável. Tem um limite claro nesta proposta, que são os abatimentos da meta de investimentos e desonerações. O governo fará superávit e fará o maior possível, porque achamos que isso é muito importante. Vou repetir: o governo federal fará superávit - disse Miriam.

Para o mercado, seria melhor que o governo reconhecesse que não vai cumprir a meta de superávit. Com receitas em queda e despesas em alta, o setor público acumula um déficit primário de R$ 15,3 bilhões até setembro. Para o economista-chefe da corretora Gradual, André Perfeito, a mudança na LDO torna a condução da política fiscal ainda mais obscura:

- Essa emenda saiu pior do que o soneto. Seria preferível que o governo sinalizasse que precisa fazer um déficit primário este ano. Isso seria mais transparente. A presidente Dilma Rousseff acredita que pode ludibriar o mercado. Mas não pode - afirmou Perfeito, acrescentando:

- Isso pode ser um enorme telhado de vidro para o Brasil na hora de as agências de classificação de risco avaliarem o país.

Essa também foi a avaliação do economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini:

- Com o projeto, o governo mantém a linha de falta de transparência que joga contra a credibilidade da política fiscal. As agências de risco podem baixar o viés da nota brasileira de estável para negativo, ou mesmo reduzir o rating do país.

- Na prática, você gera um déficit primário e diz que é superávit. Isso é maluquice. Seria muito melhor se o governo dissesse que não terá superávit, que ele será zero - disse o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.

Embora o mercado e a oposição tenham feito contas indicando que o resultado primário de 2014 pode ser um déficit, a ministra afirmou que a equipe econômica não abaterá todos os investimentos do PAC, como permite a proposta.

- Não temos ainda qual é o superávit, não temos como cravar uma meta neste momento, porque a receita está muito errática este ano. E não temos ainda uma clareza sobre o Refis (qual será o comportamento deste programa que tem gerado recursos ao governo). Seria muito arriscado cravar uma meta neste momento. Mas o compromisso é fazer superávit, e, por isso, pretendemos abater o mínimo possível - disse Miriam.

Os analistas também apontam que a deterioração das contas públicas em 2014 tornará praticamente impossível para o governo realizar o superávit primário de 2% a 2,5% do PIB fixado na LDO de 2015. No entanto, a ministra do Planejamento evitou tocar no assunto. Segundo ela, os novos parâmetros econômicos para 2015 serão enviados ao Congresso ainda em novembro, mas ela não quis dizer se será mudada a meta de superávit de 2015.

Na exposição de motivos encaminhada ao Congresso ontem, o Executivo ressalta que a previsão de crescimento da economia brasileira foi revisada ao longo deste ano em relação à utilizada no início de 2013. O governo diz ainda que outros países também estão revisando suas estimativas de crescimento.

Redução do crescimento afetou receitas

Ao justificar a redução da meta do superávit primário, o governo diz que "a redução do ritmo de crescimento da economia brasileira afetou as receitas orçamentárias de forma que se faz necessário garantir espaço fiscal para preservar investimentos prioritários e garantir a manutenção da competitividade da economia nacional por meio de desonerações de tributos"". O governo diz ainda que "as políticas de incentivos fiscais e a manutenção do investimento tornaram-se imprescindíveis para minimizar os impactos do cenário externo adverso e garantir a retomada do crescimento da economia nacional"".

Considerando o setor público consolidado, que inclui estados e municípios, a meta de superávit prevista na LDO de 2014 chega a R$ 167,4 bilhões, ou 3,1% do PIB. Mas a lei desobriga o governo federal de cumprir a meta dos demais entes. Ao longo do ano, o governo já tinha revisto o compromisso fiscal para baixo e se comprometeu a fazer uma meta de R$ 99 bilhões.