O superávit está nu. Você pode olhar a roupa linda feita com descontos e truques contábeis pelos alquimistas oficiais ou encarar a realidade: o governo não só não cumpriu a meta do orçamento, como mandou para o Congresso uma fantasia fiscal. Qual é o resultado real das contas do governo? Cada instituição tem um cálculo diferente, o que já mostra como está tudo confuso.
O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, acha que o primário é negativo, o que significa que, mesmo sem pagar um centavo de juros, todo o dinheiro dos impostos não foi suficiente para cobrir as contas correntes e investimentos. Oficialmente, em 12 meses terminados em setembro, o superávit é de 0,6%. Na conta da consultoria, está entre -0,3% a -0,4%. O número do Itaú dá -0,5%.
Há muito tempo as consultorias e bancos começaram a fazer sua própria contabilidade dos dados fiscais do governo. Isso é o mesmo que aconteceu na Argentina com a inflação e o crescimento do PIB, depois da intervenção no Indec. Aqui, felizmente, o IBGE resiste às tentativas de sugestão de mudanças metodológicas, mas a Secretaria do Tesouro, não é de hoje, passou a fazer, de bom grado, o papel de fabricante de resultados.
O resultado da perda de credibilidade dos números divulgados pelo governo costuma ser devastador. Houve uma esperança de que a fábrica de truques e alquimias fosse fechada, mas ontem ela reabriu e apresentou sua nova invenção, ao mandar para o Congresso não uma nova meta, como se esperava, mas uma permissão para novos descontos.
O economista Sérgio Vale, da MB Associados, afirma que já não há mais superávit algum e ele acha que haveria um caminho mais fácil para seguir:
— O caminho correto seria assumir que não vai cumprir o superávit primário este ano e divulgar uma meta crível para 2015. Isso daria amparo ao novo ministro. Agora a pessoa vai entrar e terá esses números mais sujos para lidar. O governo tomou essa decisão antes de anunciar o novo ministro. A presidente que sai desta eleição é a mesma dos últimos quatro anos.
A fórmula inventada ontem é a pedra filosofal, a solução de todos os descumprimentos de meta: sempre que não se chegar ao número, os descontos o farão chegar na meta, sem nenhum tipo de esforço extra. O problema é que o descrédito se espalha. Qualquer meta que se anuncie, já se sabe que não é para ser levada à sério e vão todos para as máquinas de calcular para encontrar a verdade sobre as contas públicas.
O que os economistas temem — e foi isso que conversei ontem com os professores Rogério Werneck e Márcio Garcia — é o rebaixamento do grau da dívida brasileira. Isso não vai ocorrer já, ainda é possível reverter, mas procedimentos assim tornam mais próxima a temida perda do grau de investimento.
Com falsos superávits não se consegue esconder o crescimento do endividamento do governo. Se o Brasil tiver um crescimento médio do PIB de 1,4% nos próximos quatro anos, na visão de Sérgio Vale, e o crescimento da dívida bruta continuar no mesmo ritmo dos últimos quatro, o país chegará a 72% de dívida bruta ao fim do governo, em 2018.
O governo prefere mostrar a dívida líquida, que é bem menor, mas ela parou de ser usada como parâmetro desde que foram feitas as transferências que chegaram a R$ 450 bilhões para o BNDES e se considerou que isso é empréstimo. Essa montanha de dinheiro entra na conta como ativo e reduz a dívida líquida. Mas empréstimo tem que ser pago e ninguém acredita que o banco vá pagar esse valor ao governo. O superávit está nu e todos já sabem. Até a ex-ministra da Cultura Marta Suplicy ao sair ontem do governo desejou que se “resgate” a sua credibilidade.